A magia da 1ª temporada de Once Upon a Time
- Marcelo Pedrozo
- 5 de mar. de 2021
- 19 min de leitura
Atualizado: 24 de mar. de 2021
Uma análise de como o formato de Once Upon a Time (2011-2018) muda completamente após a primeira temporada.

Em 2011 começou a série Once Upon a Time, da ABC, que contava a história de personagens de contos de fada que haviam sido vítimas de uma maldição, lançada pela madrasta da Branca de Neve, e vieram parar no nosso mundo. Eles então ficam presos em uma cidade chamada Storybrooke, no Maine, e ganham identidades novas. Um exemplo é a Cinderela tendo virado uma jovem grávida que foi forçada a vender o bebê, ou o Grilo Falante sendo um psiquiatra, esse tipo de coisa.
E a série foi muito bem recebida na primeira temporada, sendo uma das estreias favoritas do ano e ganhando diversos elogios de crítica e público. Mas agora, quase dez anos depois, Once Upon a Time é considerada por muitos sinônimo de uma série que se perdeu, de uma série mal feita, mal escrita, com personagens nada bem desenvolvidos, etc. A série acabou na sétima temporada, em 2018, tendo ganhado essa fama ruim alguns anos antes. Fama essa que é tão estranha se você pensar no amor do público lá na primeira temporada. Mas... por que isso aconteceu?
Bom, um dos motivos é simplesmente que chegou um momento em que os escritores não pareciam mais se importar com a história que estavam contando. Como eu mencionei nesse texto aqui, eles não se importavam mais em fechar pontas soltas do passado, ignoravam certos pontos do enredo pra poder acrescentar novos personagens, criavam novas histórias sem se preocupar se fazia sentido com as anteriores. Naquele texto eu dei o exemplo da Mulan, que, em resumo, foi esquecida e trazida de volta sem que fosse explicado como ela chegou do ponto A ao ponto B. Mas isso aconteceu várias vezes, muitos personagens importantes sumiam do nada e eram esquecidos, ainda mais com o formato que a série adotou da terceira à quinta temporada, com cada temporada sendo dividida em dois arcos fechados, e então assim que um arco era concluído tudo sobre ele era esquecido.

Vilões mudavam de plano a qualquer momento sem nenhuma explicação, personagens tomavam decisões que não faziam sentido, conceitos novos eram introduzidos sem nunca terem sido mencionados antes e depois esquecidos, porque só funcionavam em determinado episódio... Defeitos assim eram comuns demais. E isso começou depois da primeira temporada, que, diferente das outras, foi bem fechadinha e não teve todos esses problemas (digo, ela não foi 100% perfeita, até porque nada é, mas os problemas eram a exceção, e viraram a regra com o passar do tempo).
Então não é impressionante que a primeira temporada seja considerada a melhor da série por muitos, inclusive por mim. Porque nela, ainda havia um amor pela série, ainda havia enredos bem pensados, personagens bem construídos e tudo o mais. Isso fica evidente com vários pontos do enredo que só viriam à tona muito depois já recebendo pistas na primeira temporada.
Um exemplo muito bom é do episódio 17, Hat Trick. Nele, Regina vai junto com Jefferson ao País das Maravilhas para resgatar seu pai, que foi sequestrado pela Rainha de Copas. Quando Regina parece corajosa demais para enfrentar a rainha, Jefferson pergunta se ela sabe de tudo o que ela é capaz; e Regina responde: “Sim, mais do que a maioria”.

Esse diálogo não foi explicado nesse episódio, inclusive ninguém ligou muito pra isso. Aí no episódio seguinte, The Stable Boy, a origem de Regina foi revelada em um flashback, com sua mãe narcisista assassinando seu noivo para que Regina se casasse com um rei e tivesse uma vida mais luxuosa. E aí, vários episódios depois, lá na metade da segunda temporada, foi revelado que a mãe de Regina havia se tornado a Rainha de Copas depois disso. E o diálogo de Hat Trick mostra que isso já havia sido planejado desde o começo, mesmo que ainda faltassem episódios e episódios para a revelação.
Exemplos como esse, de sementes de enredos plantadas muito antes de florescerem, não faltam, como Emma passando a dever um favor a Mr Gold no literal quarto episódio da série, favor esse que é mencionado constantemente, e que só acaba sendo cobrado lá na metade da segunda temporada, exatamente trinta e um episódios depois. Então tudo isso já estava planejado desde o começo.
Mas as temporadas seguintes não têm nada disso. Inclusive a maioria dos personagens já tinha atingido o fim de seus desenvolvimentos principais, então claro que não havia mais revelações como essas pra serem planejadas antes, porque tudo de importante já tinha sido mostrado. Mas enfim, não é sobre isso que esse texto é, inclusive quero falar disso mais em outro texto futuro.
O meu ponto é, essas não são as únicas razões que fazem da primeira temporada diferente das outras. Não é só a qualidade que cai depois disso, é o formato da série que sofre uma mudança brusca. Porque uma coisa é bem óbvia de se notar, que é o quanto a primeira temporada é diferente das outras, mas agora eu quero analisar por que exatamente essa temporada é diferente. E não é só o fato de os escritores parecerem não se importar mais com a consistência do enredo.
Ah, e não só isso. Com a qualidade caindo nas temporadas seguintes e o público passando a reclamar, os escritores sempre pareciam querer voltar ao estilo da primeira temporada, que afinal foi a melhor da série, então faz sentido que eles tenham tentado fazer isso. E sério, foram no mínimo cinco vezes que tentaram isso ao longo de toda a série, não é pouca coisa. Mas eles quase nunca conseguiram. E isso porque eles não entenderam o que fez a primeira temporada tão especial. São poucas as vezes em que esse estilo volta com sucesso, e em uma delas eles nem estavam tentando. Então realmente, os criadores nunca entenderam o que fez a primeira temporada tão boa assim.

E assim, como eu falei, esse estilo que eu quero entender aqui agora, não é exatamente um indício de qualidade ou não. Porque dá pra fazer histórias boas com esse formato ou sem, o que aconteceu foi que a qualidade caiu na mesma época em que esse estilo foi abandonado, mas não necessariamente esses fatores estão ligados, até porque ainda existem bons arcos no meio da série que não seguem essa fórmula. Só pra deixar isso claro mesmo.
Mas enfim, deixa eu recapitular um pouco o enredo da série pra poder explicar. A primeira temporada acompanha os personagens amaldiçoados em Storybrooke, vivendo suas vidas no mundo real sem nem imaginar que são personagens de contos de fada. E por mais que um ou outro personagem se lembre de sua vida passada, especialmente mais pro final da temporada, de maneira geral quase ninguém se lembra. Então os enredos são mais realistas mesmo. E aliado a isso temos os flashbacks presentes em todos os episódios, que mostram a história dos personagens no mundo dos contos de fada.
E assim foi a primeira temporada, e o público – e o elenco – achou que seria assim pro resto da série. Mas não foi. Porque em uma surpresa, a temporada termina com a quebra da maldição. Então a partir do 22º episódio, todos os personagens agora se lembram de suas vidas de contos de fada, e não só isso, como também magia é trazida à cidade de Storybrooke, então agora fazer feitiços é possível lá também.
E isso foi uma surpresa porque todo mundo achava que a maldição só seria quebrada no final da série, e não no final da primeira temporada. Afinal, a premissa inicial era que os personagens estavam no mundo real sem memória, e agora o que acontece? Como foram as outras seis temporadas, com a premissa inicial quebrada? E é aí que eu quero chegar.
Mas vamos por partes.

Na primeira temporada, em uma frente, estavam os enredos do presente, do mundo real, na cidade de Storybrooke. Emma Swan, filha da Branca de Neve que estava profetizada a encontrar a cidade em seu 28º aniversário e então quebrar a maldição, chega trazida por seu filho Henry, que ela deu para adoção anos antes. Esse filho foi adotado por Regina, o alter ego da Rainha Má, que foi quem lançou a maldição.
Então de um lado da história temos a eterna briga entre a mocinha Emma e a vilã Regina pela criança. Porque Emma passa a amar Henry logo que o conhece, e quer ter certeza de que ele está bem. Mas Regina é claramente uma pessoa ruim, então Emma fica por uns tempos na cidade para conhecer melhor a vida do filho. E Regina quer fazer tudo para tirá-la de lá, tanto para ficar com seu filho quanto para impedir que Emma quebre a maldição.
E esse é o enredo principal, basicamente. Uma briga pela custódia de uma criança, que no fundo também é uma briga para evitar que a maldição seja quebrada, mas só no fundo mesmo. Até porque Emma nem acredita que a maldição seja real, ela acha que é só fruto da imaginação de Henry. Assim, passamos 22 episódios com as duas brigando por seu filho.
Paralelamente, temos a história de amor entre Mary Margaret e David, as versões do mundo real da Branca de Neve e do Príncipe Encantado. Os dois têm uma história de amor não muito mágica, que envolve traições, mentiras, desconfianças. O que contrasta com a história de amor da Branca de Neve e do príncipe, que acompanhamos nos flashbacks.
Como eu falei, todos os episódios têm flashbacks que contam a história dos personagens no mundo dos contos de fada. Esses flashbacks não são contados em ordem cronológica, pode alternar entre um da Branca de Neve adulta e um dela criança, não existe muito uma regra.
Mas ao longo da temporada, a cada 2 ou 3 episódios mais ou menos, acompanhamos um “capítulo” novo da história da Branca de Neve, que é recontada de uma maneira mais grandiosa. E grandiosa é a palavra certa, é uma saga épica, que inclui não apenas os dois, mas a Chapeuzinho Vermelho, Rumplestiltskin, sem contar o “pai” do príncipe, o Rei George, que é um dos vilões junto com Regina (Rainha Má). Ainda temos momentos clássicos como os sete anões e a maçã envenenada, mas contados no meio de toda essa história maior.
E ao contrário da história de amor do mundo real, que é mais realista e menos fantástica, a história de amor dos contos de fadas é extremamente idealista, o que era de se esperar. Digo, temos vilões com origens compreensivas, e os mocinhos não são arautos da bondade, então parece que é uma desconstrução dos contos de fadas maniqueístas. Mas não é, ainda temos o amor verdadeiro conquistando tudo e sendo a magia mais poderosa de todas, ainda temos os heróis e os vilões, ainda é um clássico dos contos de fadas, só mais grandioso mesmo. E isso contrasta com a história realista do mundo real. O que me leva aos paralelos.

Aqui o Príncipe Encantado e a Chapeuzinho Vermelho tendo que fugir dos soldados do reino do príncipe pra poder encontrar a Branca de Neve, que está desaparecida.
Porque sim, a primeira temporada é sobre isso. Os paralelos. Não só entre a história fantástica de Branca de Neve e a história realista de Mary Margaret, mas entre as versões de contos de fadas e do mundo real de todos os personagens.
Até porque vários episódios focam em personagens secundários, como um “conto de fadas da semana”. Então assistimos às consequências da ida de Cinderela ao baile, à origem do Chapeleiro Maluco, a uma versão diferente da história do João e Maria, ao mesmo tempo em que Emma, no presente, lida com suas versões de Storybrooke. E esses personagens são secundários, quase não aparecem fora dos episódios onde suas histórias são contadas, e aí parece que são episódios desnecessários, que a série está desviando da história principal.
Mas não está. Primeiro porque a história principal é essa mesmo, a premissa de Once Upon a Time era contar os contos de fada de uma maneira diferente, quase todas as histórias têm uma reviravolta interessante. Então é lógico que temos episódios focados em personagens secundários, pra contar os contos deles de maneira diferente, e pra contrastar isso com a história mais realista deles no mundo real.
E esses episódios podem parecer fillers (desnecessários) porque a gente mal vai ver a Cinderela de novo, mas o episódio dela é importantíssimo para os personagens principais. Afinal, ela está prestes a dar a luz sua filha, filha essa que ela foi obrigada a vender. Emma tenta ajudá-la a manter o bebê, e essa discussão sobre maternidade rima com o enredo principal, já que Emma está construindo uma relação com seu próprio filho que ela deu para a adoção anos antes. Sem contar que esse é o episódio que propriamente apresenta o personagem do Rumplestiltskin, introduzindo seus tão icônicos acordos, e é inclusive aqui que Emma fica devendo a ele o favor que eu mencionei acima, que é cobrado na segunda temporada. Então tudo isso é importante, no fundo a história está sendo desenvolvida, só que tudo isso no fundo do “conto de fadas da semana”.
Mas enfim. Dito isso, o que fica estabelecido como sendo o formato da primeira temporada? Em resumo, os paralelos. Os paralelos entre esse mundo dos contos de fada, onde as histórias são distorcidas, mas ainda assim são mágicas, são “épicas”, é um universo fantástico; e o mundo real, onde temos histórias realistas, e a batalha contra a vilã é uma batalha pela custódia de uma criança e para expor uma prefeita corrupta.

Essa cena não parece de uma série sobre contos de fadas. Porque de certa maneira não é, a parte no presente era sobre expor a prefeita corrupta.
E essa é a fórmula da primeira temporada. Mas como são as outras?
No último episódio da temporada, magia chega a Storybrooke e os personagens se lembram quem são. Então o primeiro item pode ser riscado da lista. Já não existe mais realismo ali, não existe uma batalha de custódia quando todo mundo ali tem poderes. E agora a vilã não é mais a prefeita corrupta da cidade que sabota a protagonista por causa do filho, agora temos vilões que querem ganhar poderes enormes, que querem dominar o mundo, que querem voltar no tempo, que querem lançar feitiços.
E agora já não tem mais tempo pra ficar dando episódios pros personagens menores, porque tá lá o mundo acabando e os protagonistas têm que focar nisso. Então se você gostava do “conto de fadas da semana”, que era parte essencial da fórmula da série, que pena, porque praticamente não tem mais isso não.
Similarmente, acabou a história da Branca de Neve, ela já foi contada toda na primeira temporada, com a maçã, os anões, o caçador, tudo já foi. Digo, ainda tem uma ou outra ponta solta na vida da personagem, então ainda vamos ter uns flashbacks sobre isso. Mas esses flashbacks não adaptam mais os contos de fada, que era o motivo de eles existirem em primeiro lugar. Agora eles estão lá só pra contar uma aventura original aleatória dos protagonistas mesmo.
Aliás, com o passar das temporadas, os flashbacks vão perdendo completamente a função. Porque na primeira temporada, eles eram importantes, contando a história de vida dos personagens pré-maldição, mas chega um ponto em que a gente já sabe de basicamente tudo, mas os flashbacks continuam. Então a gente acaba com um monte de flashback desnecessário, ou que revela um segredo sombrio do passado do personagem que convenientemente nunca tinha sido mencionado antes.

E aí a gente não tem mais um conto de fadas sendo contado durante a temporada, que nem foi com Branca de Neve na primeira. Eu particularmente acho que podiam ter usado outro conto, tipo A Bela Adormecida, e feito com ele o que fizeram com a Branca na primeira, contar a história durante a temporada toda, de pouco em pouco a cada 2 ou 3 flashbacks. Ajudaria a manter a magia da série de adaptar as histórias. Mas enfim.
Ou seja, todas essas mudanças, de acabar com o realismo na frente dos dias atuais, e de adaptar cada vez menos contos de fada nos flashbacks, simplesmente transformam a série da primeira temporada em uma série completamente diferente. E não é necessariamente uma coisa ruim, porque ainda tem arcos bons ali no meio. Mas simplesmente não tem mais aquela magia lá do começo. Não tem o contraste entre o mundo dos contos de fada e o real, porque agora o mundo real tem magia também. Não tem mais uma adaptação de conto de fadas por semana, porque agora a gente já contou a maioria e não tem mais tempo de ficar focando em personagem secundário. Não tem mais flashbacks interessantes porque tudo de importante da vida dos personagens foi mostrado no começo da série.
E claro, alguns desses problemas eram inevitáveis, afinal uma hora iam acabar os contos de fada importantes pra adaptar, e uma hora os flashbacks já iam ter falado tudo de importante. Mas aí era hora de acabar a série, ou de fazer uma reformulação geral (eles até fazem isso mais pra frente, mas com umas três temporadas de atraso).

Inclusive, dessa reformulação que eles fazem sai a ótima sétima temporada, que tem aqueles problemas de enredo mas, sem contar a primeira, é a melhor de todas. Pena que um monte de gente chata que não aguenta mudança parou de assistir e aí a série foi cancelada.
Inclusive, a série acaba perdendo um pouco da maturidade nas temporadas seguintes. Não existe mais um enredo sobre corrupção, investigações policiais e batalhas de custódia, afinal acabou o realismo, já que tem magia na cidade agora. E com isso os enredos começam a ser “derrotar vilão X”, e isso deixa a série genérica e imatura demais, todo arco é a mesma coisa, vem um novo vilão e vamos derrotá-lo, aquela complexidade da primeira temporada acabou. Inclusive a série fica bem meta depois disso, começando a se referir aos protagonistas como heróis e chamar os vilões de vilões mesmo (o que eu acho bem estranho), o que meio que acaba com a proposta do começo que era dar esse realismo aos contos de fada, mostrar a humanidade desses personagens.
De qualquer maneira, eu não quero dizer que necessariamente a série teria sido melhor se tivesse continuado no mesmo formato de antes, porque afinal isso não tem a ver com qualidade. Mas a razão de eu ter gostado tanto da série foi essa, foram essas adaptações de contos de fadas e esse contraste entre o mundo real e o de fantasia, e isso... não existe mais nas temporadas seguintes.
Bom, mais ou menos. Porque como eu disse, com a recepção média dos próximos arcos por causa da queda de qualidade, os criadores insistem em tentar trazer de volta a magia da primeira temporada nas seguintes, afinal foi a preferida de todos, mas quase nunca conseguem. Eu acho que eles nunca entenderam qual era a magia da temporada de verdade. Mas vamos olhar todos os casos.
Primeiro na segunda metade da terceira temporada, o arco chamado de 3B. Os personagens haviam retornado à Floresta Encantada no final do arco 3A, em um episódio ótimo que podia muito bem ter servido como final da série. Mas enfim, não foi o final, e na 3B aconteceu uma nova maldição que levou todos de volta para Storybrooke um ano depois, mas sem memória do que aconteceu nesse ano e de quem lançou a nova maldição. A última coisa de que todos se lembram é de voltar para a Floresta Encantada. Então a parte do mundo real nos mostrava os eventos após a volta deles para Storybrooke, enquanto os flashbacks narravam o que aconteceu no ano perdido.

E não precisa ser gênio pra entender que isso é obviamente uma referência ao enredo da primeira temporada, uma tentativa de fazer tudo de novo. E eu adoro esse arco, mas se eles estavam tentando recuperar a magia do começo, bom, não conseguiram. Por alguns motivos.
Primeiro que não existe nenhum contraste aqui entre realismo e fantasia. Há magia em Storybrooke, todos sabem que são personagens de contos de fada e há uma vilã para derrotar cujo objetivo é lançar um novo feitiço, então não é que nem na primeira temporada onde o enredo é sobre problemas reais. E os flashbacks não contam histórias dos contos de fada de uma maneira diferente, e sim eventos aleatórios que aconteceram no ano que os personagens passaram na Floresta Encantada.
Pegaram a premissa inicial da primeira temporada, uma maldição, a perda de memória, os flashbacks, mas a 3B não parece nem um pouco com a primeira temporada, porque todos esses elementos são superficiais, a magia daqueles episódios estava no contraste de dois mundos, que aqui não existe. E não digo que isso seja ruim, porque esse arco é bom, mas se estavam tentando resgatar a magia do começo, falharam miseravelmente.

Inclusive, fica aqui outra reflexão. Que é a série se passar no mundo real mesmo depois da chegada da magia. Eu acho estranho, porque o mundo real foi colocado lá justamente pra ter o contraste realismo x magia, mas com esse contraste abandonado, o fato de a série continuar no mundo real é... estranho. Podiam ter voltado pra Floresta Encantada que acabaria sendo a mesma coisa.
Mas continuando, tem um acontecimento interessante no arco 4B (segunda metade da 4ª temporada). Diferente de muitos, esse arco não foi vendido como “vamos recuperar a magia do começo da série!”, mas curiosamente foi um dos que mais chegou perto.
São três as vilãs principais daqui: Malévola, Cruella e Úrsula. E todas as três têm episódios focados nelas, têm suas histórias de origem contadas (bem... mais ou menos no caso da Malévola). E como são 11 episódios apenas, esses três que focam em cada uma já tomam uma boa parte do arco. E eu me sinto de volta à primeira temporada porque aqui temos vários episódios focados em readaptar contos de fadas, em contar as origens de personagens secundários, coisa que a gente não via há muito tempo.
Aqui também é contada a origem do Robin Hood, personagem recorrente que acabou ganhando seu episódio só agora, e de novo o flashback dele parece com os da primeira temporada. Quatro de onze episódios (na verdade de nove, porque os dois últimos não têm flashbacks) focam em secundários e em adaptar contos de fada, já é bastante coisa.
Além disso tem outra razão por que esse arco parece com o começo da série: existe uma série de flashbacks (na verdade são só 2, mas com só 9 no total, já é bastante coisa) que conta uma história do passado da Branca de Neve e do Príncipe Encantado. A história em si não é muito boa, mas ter vários episódios contando uma saga do passado dos dois foi outro elemento que remeteu à primeira temporada. Então tem isso também.
Ou seja, esse arco, que não se vendeu como um retorno às origens... foi um dos que mais chegou perto.

As "Rainhas das Trevas".
Depois disso, com a série consolidada como sendo bem mais ou menos, praticamente todos os arcos se venderam como estarem trazendo de volta o sentimento da primeira temporada. 5A fez isso de maneira semelhante à 3B – os personagens foram todos a Camelot, mas por algum motivo uma maldição os trouxe de volta a Storybrooke seis semanas depois, sem memória do tempo que passaram lá. Assim os flashbacks mostram o que aconteceu no reino, enquanto os eventos do presente desenvolvem a história. Mas como ambos os enredos contêm magia, e poucos episódios são focados em adaptar histórias, novamente não sentimos nem um pouco de primeira temporada nisso.
(E eu sinto que eu já estou enchendo o saco falando isso, mas não necessariamente isso é ruim. Só estou apontando que falharam em trazer esse formato que prometeram.)
O arco 5B tentou fazer isso também, dessa vez com os personagens indo ao Submundo e reencontrando diversos mortos. Esse até chegou um pouco perto, afinal vários episódios focaram em cada personagem morto tendo sua história contada e, no presente, resolvendo seus assuntos inacabados e seguindo em frente para um lugar melhor. Mas poucos adaptaram contos de fadas, e afinal no Submundo não tem realismo nenhum. Além disso, o grande vilão da temporada, Hades, não teve sua origem mostrada, então nem foi lá essas coisas.

Inclusive, o primeiro episódio do arco teve uma cena que faz um paralelo explícito com a cena final do primeiro episódio da série. Se bem que esse era o 100º episódio, então era por isso também.
Aí veio um sucesso nesse quesito – o comecinho da sexta temporada. No final da quinta, foi descoberta a Terra das Histórias Não Contadas, um lugar onde o tempo não passa, habitada por personagens de diferentes reinos que queriam dar uma pausa em seus contos e fugir de seus problemas. Todos esses personagens foram levados a Storybrooke, e um por um fomos vendo suas histórias se desenvolvendo.
E aliado ao fato de que a Rainha Má era novamente a vilã (por razões meio complicadas de se explicar aqui), e de que o foco na Emma ser a heroína retornou, esse começo da temporada é, até agora, o mais perto da magia do começo da série que eles chegaram.
Quero destacar aqui um episódio, que foca na “história não contada” de Lady Tremaine e Clorinda, a madrasta e uma das irmãs malvadas da Cinderela. Aqui, a personagem volta e mais uma vez temos um flashback adaptando esse conto, focando na relação de Cinderela com a família, que não tinha sido mostrada no episódio dela na primeira temporada e que vira o foco aqui. No presente, os assuntos inacabados delas se resolvem com a ajuda da Emma, assim como no começo da série, Emma ajudando um personagem de contos de fada resolver seu problema em um paralelo fantasia/realidade. Esse é um dos meus episódios preferidos da série, justamente por ter sido o mais perto que chegaram da magia da primeira temporada.
Infelizmente, como tudo que é bom dura pouco, depois do sexto episódio a Terra das Histórias Não Contadas – que supostamente era o grande arco da sexta temporada – foi completamente esquecida e os personagens secundários não tiveram mais suas histórias contadas. O que de novo prova que os criadores não tinham ideia do que estavam fazendo, porque prometiam um retorno às origens, mas insistiam no erro e, quando finalmente acertaram, logo jogaram fora.

E, por fim, eles acertaram uma última vez, na sétima e última temporada da série. Que como eu falei, na minha opinião é a melhor temporada, com exceção da primeira, obviamente. Ainda quero fazer um texto falando sobre por que ela é tão boa (já que a maioria do público odeia), mas uma das razões é que ela conseguiu, a princípio, resgatar essa magia da primeira temporada com sucesso.
Isso porque, na sexta temporada, a história de Emma e dos protagonistas das primeiras temporadas chegou ao final, e um novo “livro” começou. Henry, que era criança/adolescente nas primeiras temporadas, virou um adulto e passou a ser o novo protagonista. Foi revelado que não existe só uma versão de cada conto de fadas, ou seja, existem várias Brancas de Neve e várias Cinderelas e várias Rapunzel por aí.
Isso permitiu que adaptassem novamente histórias que não haviam ganhado muito foco antes, como a da Cinderela, que teve dois episódios (ótimos, como eu já mencionei) mas quase nunca apareceu fora disso. A sétima temporada é inteiramente focada nesse conto de fadas, assim como no da Rapunzel, João e Maria, todas essas histórias que já tinham sido mostradas antes, mas em papéis pequenos.
E essa é uma decisão controversa, de “rebootar” os contos de fada, mas que funcionou muito bem. Porque permitiu que uma parte da magia do começo voltasse: os flashbacks adaptando as histórias de maneira distorcida. Afinal, quase todos os contos já tinham sido adaptados, então essa solução foi necessária para manter essa parte do enredo.
E não só isso. Aqui, pela 483573934ª vez, havia uma nova maldição. Mas em vez de ser que nem a dos arcos 3B e 5A, que só faziam os personagens esquecerem um determinado período de tempo, essa maldição era exatamente igual à da primeira temporada: dava novas identidades para os personagens no mundo real, e eles agora pensavam ser pessoas normais que não sabiam sobre a existência de magia.
Sim, é basicamente uma repetição nada criativa da primeira temporada. Mas é uma repetição boa, com novos e ótimos personagens, então não vou reclamar.

Com Henry e sua filha, Lucy, seguindo respectivamente os mesmos papéis de Emma e Henry. Então é uma cópia em vários sentidos, mas com novos personagens e sinceramente? Personagens bem mais interessantes.
E com isso nós tivemos um retorno às origens no estilo da série. Porque mais uma vez pudemos ter histórias realistas no presente, que não são sobre impedir que um vilão destrua o mundo, mas sobre problemas reais, sobre ganhar dinheiro, ter custódia de uma criança, impedir a destruição de um jardim comunitário, achar uma pessoa desaparecida, expor uma empresária corrupta... E tudo isso contrastando com flashbacks que adaptam os contos de fada de forma distorcida e que fazem paralelos com a história do presente. Um serviço completo.
Mas infelizmente, tudo que é bom dura pouco, e aconteceu com a sétima temporada o mesmo que aconteceu com a sexta. Acho que ficaram com medo de o público rejeitar as tramas mais “realistas”, e fizeram vários personagens acordarem da maldição durante a temporada. Então tivemos sim várias histórias mágicas no presente, o que prejudicou a trama da temporada e mostra que realmente não sabiam qual era o “formato” que queriam alcançar. Eu adoraria que os criadores tivessem sido mais corajosos – afinal, a série estava prestes a ser cancelada mesmo – e tivessem mantido as tramas realistas um pouco mais. Mas a temporada ainda é boa.
E de qualquer maneira, ainda tivemos vários personagens que permaneceram sob a maldição por quase toda a temporada, então ainda tínhamos histórias no presente que eram só sobre problemas realistas mesmo. E eu agradeço por isso. Desses episódios eu destaco os 5 primeiros e alguns outros espalhados pela temporada (como o 7, o 9, o 12 e o 16), que focam em recontar as histórias e/ou em problemas mundanos. Não são muitos, mas são mais que antes.

Inclusive, duas das melhores adaptações de contos de fada da série estão aqui: a Rapunzel ser a madrasta da Cinderela e o príncipe sapo ser um sapo amaldiçoado a ser um humano e não o contrário.
Agora, a sétima temporada, por mais que consiga enfim trazer parcialmente de volta o estilo da primeira, só prova que esse estilo não tem nada a ver com qualidade do enredo. Porque mesmo tendo esses episódios, ainda temos vários problemas de escrita, ainda temos vilões que mudam de plano sem aviso prévio, personagens que esquecem detalhes convenientes, histórias forçadas, etc. (Sem querer falar mal da sétima temporada, afinal, tirando a primeira, todas têm esses problemas. A sétima ainda é a segunda melhor.) Então de novo, só pra reforçar o que eu falei o texto inteiro, essa magia da primeira temporada que eu explorei aqui não tem a ver com qualidade necessariamente. Eu queria que todas as temporadas tivessem seguido esse formato? Sim, porque eu gosto dele, mas ainda tem bons arcos que não seguem.
A verdade é que a primeira temporada é a melhor de todas porque ela foi uma junção desse estilo e da qualidade do enredo. As outras, infelizmente, só têm um ou outro... e às vezes nenhum.
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