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This Is Us e a espetacularização da realidade

  • Foto do escritor: Marcelo Pedrozo
    Marcelo Pedrozo
  • 21 de nov. de 2022
  • 11 min de leitura

Análise de como This Is Us (2016-2022) inova em sua estrutura narrativa para deixar uma trama teoricamente normal mais dinâmica.

This Is Us é uma série americana criada por Dan Fogelman que durou de 2016 a 2022. Ela conta a história da família Pearson em diversos pontos no tempo; sua história principal começa em 2016, quando os três irmãos protagonistas completam 36 anos, mas também vemos flashbacks deles crianças, adolescentes, de seus pais se conhecendo e muito mais.


Para mim, This Is Us é uma sitcom em que você chora em vez de rir. Assim como em uma sitcom, temos um grupo de personagens que dividem o protagonismo, cada um com suas próprias histórias que são mostradas paralelamente. São histórias do dia a dia, e podemos nos identificar quando os personagens lidam com luto, racismo, Alzheimer, alcoolismo, problemas de fertilidade, entre diversas outras situações cotidianas.


Claro, os Pearsons não são uma família comum, e não poderiam ser mesmo, porque uma família sem algo de diferente não seria interessante para uma série de televisão. Um dos irmãos é um astro de TV (e depois de cinema), outro se torna político (e, no fim da série, está considerando se candidatar a presidente), temos dois parentes que todos achavam que estavam mortos mas não estavam, um dos irmãos é um garoto negro adotado por uma família branca e lidando com problemas de identidade, entre outros fatores que a gente não vê em toda família na vida real, especialmente todos em uma mesma família.


Mas, de qualquer maneira, a ideia da série ainda é acompanhar o dia a dia dessa família. Para uma série dramática, é estranho que a premissa seja assim simples, sem o mistério de um crime ou no mínimo um romance adolescente que engaje os telespectadores. E, na tentativa de engajar o público da mesma maneira que vemos pessoas bolando teorias loucamente em um Stranger Things ou um WandaVision, This Is Us conta sua história relativamente tranquila do dia a dia de uma família de um jeito extremamente calculado para que ela seja vista da mesma maneira que vemos uma série de mistério e que o número de teorias e reviravoltas seja o mesmo.

O primeiro episódio ilustra meu ponto muito bem. A série foi vendida como um programa em que acompanharíamos quatro pessoas que compartilham seu aniversário. Vimos a esposa de Jack, Rebecca, entrar em trabalho de parto no dia do aniversário dele; Randall procurar o pai biológico; e os irmãos Kevin e Kate lidarem com trabalho e relacionamentos, em histórias aparentemente separadas. Ao final do episódio, depois que Jack descobre que um dos seus trigêmeos foi natimorto, ele se depara com um recém-nascido que foi abandonado e deixado no mesmo hospital. Logo depois, oferecem um cigarro para ele (no meio do hospital) e a câmera se move e vemos TVs antigas dando notícias antigas, e percebemos que esse enredo se passava no passado, e que Jack e Rebecca são os pais de Kevin, Kate e Randall no futuro. Ao contrário do que a premissa indicava, não eram quatro pessoas aleatórias que faziam aniversário juntas, e sim uma família em que os trigêmeos nasceram no dia do aniversário de seu pai.


Essa foi a grande reviravolta do primeiro episódio, e temos outra no segundo. Ainda não havíamos visto Jack e Rebecca no presente, e os trigêmeos haviam se referido a eles apenas de maneira vaga. No final do episódio, as filhas de Randall chamam os pais dizendo que “o vovô e a vovó chegaram”... e quem aparece em cena é Rebecca, acompanhada não de Jack, mas de Miguel, amigo de Jack que havia aparecido no flashback do episódio.


E ainda esperamos mais três episódios para descobrir o que houve com Jack, quando Kate finalmente revela ao novo namorado, Toby, que ele morreu. Como? Esse foi o primeiro grande mistério de This Is Us, que só começa a ser revelado na segunda temporada. A morte dele só é mostrada no episódio 2x14! E adivinha o que tivemos até esse momento? Teorias e mais teorias de como ele morreu e quando.

No episódio 1x17, Kate revela que seu pai morreu por sua culpa. Isso despertou teorias de maneiras de Jack ter morrido de forma que Kate se culpasse. No episódio 2x01, vemos uma cena rápida da casa destruída depois de um incêndio e da família chorando a morte de Jack. Isso despertou mais teorias do que teria causado o incêndio e de por que Kate se culpava. E os flashbacks da temporada foram adicionando mais e mais pistas até que o 2x14 mostrasse tudo.


E não para por aí! Quando o mistério da morte de Jack é revelado, a série introduz um novo grande mistério que dura até o final. No episódio 2x10, Randall e a esposa Beth discutem a possibilidade de adotar novamente; cortamos então para uma cena em que uma agente social fala a um menininho que estão procurando uma família para ele. Fica implícito que esse garoto será adotado pelos dois...


Mas aí, no episódio 2x14, temos uma cena em que um casal aleatório aparece para adotar esse menininho e a agente social assiste, feliz. Então, uma mulher chega e fala para a agente que o pai dela a está esperando. E entra o tal pai, que descobrimos ser um Randall mais velho. Ou seja, aquela cena que parecia ser de um menininho que seria adotado por Randall na verdade era uma sequência do futuro mostrando um Randall mais velho e sua filha Tess já adulta, trabalhando como agente social.


E a partir daí começamos a ter várias cenas no futuro. Começando no final da segunda temporada, no 2x18, em que Randall fala “É hora de ir vê-la” e sua filha responde que não está preparada; Randall diz que ele também não. De quem os dois estão falando? O que acontece com esses personagens no futuro?

São perguntas que duram toda a terceira temporada. Vemos mais uma cena no futuro no episódio 3x01, mostrando o então marido de Kate, Toby, no futuro, mas deprimido e não sabendo se deveria ver a pessoa misteriosa. Depois, em uma cena no episódio 3x09, a Beth do futuro revela que todos estão indo ver Rebecca.


Finalmente, no episódio final, Randall e a filha chegam à casa de Kevin, e Randall vai enfim encontrar sua mãe, extremamente idosa e à beira da morte. Ao longo das próximas temporadas, mais pistas vão sendo reveladas sobre esse futuro à medida que novos personagens vão chegando à casa para ver Rebecca, e teorias são formadas sobre como os personagens estão. Kevin está usando uma aliança? Com quem ele se casou? Teorias sobre isso. Toby nunca tinha visitado o então cunhado? Será que ele e Kate se separaram? Teorias sobre isso. Deja está grávida? Será que o filho é do namorado dela do presente ou o pai é outra pessoa? Teorias sobre isso.


A série seleciona que informações vai dar ao telespectador muito cuidadosamente, e faz com que teorias sejam criadas e reviravoltas sejam apresentadas à medida que essas informações são escondidas ou expostas. Mas é interessante que esses segredos que This Is Us esconde do público não são escondidos dos personagens.


Quando Rebecca entrou com Miguel no segundo episódio e descobrimos que ela acabou se casando com ele, não é uma surpresa para os personagens. Todos eles sabiam que os dois eram casados. Mas foi uma surpresa para o público, que não sabia. Quando descobrimos nos flashbacks como Jack morreu, não é uma revelação para os personagens, todos eles sabem, todos eles estavam ali. Mas é uma revelação para o público. Quando Randall diz à filha que eles precisam ver Rebecca, mas não fala o nome dela e diz apenas que precisam “ir vê-la”, Tess não está se perguntando de quem ele está falando, ela sabe que a avó está com Alzheimer e que está perto do fim da vida. Mas o público não sabe do contexto e começa a fazer teorias.

E a série faz isso toda hora. Sério, não é coisa de uma vez ou outra não, em todas as seis temporadas temos esse tipo de narrativa.


Um exemplo muito legal é a história de Randall e Beth na terceira temporada. Os dois estavam brigando bastante, e não sabíamos se continuariam juntos ou se acabariam se divorciando. Para colocar lenha na fogueira, as cenas do futuro deixavam tudo de maneira ambígua: Randall pede que Tess avise a Beth que eles estão a caminho da casa de Kevin. Daí o pessoal se pergunta, por que ele mesmo não ligou pra Beth? Será que eles se separaram?


Daí chega o episódio final da temporada. No presente, Randall e Beth finalmente se entendem, e cortamos para uma cena do futuro em que ele enfim chega à casa de Kevin, e Beth já está lá. Os dois se olham, Randall vai até ela e o público fica tenso, porque é agora que vão revelar se o casamento dos dois continua ou não. Até que Randall solta um “oi, baby”, os dois se beijam e abraçam e a câmera foca em uma aliança no dedo de Beth.


Para os dois, essa cena não é uma revelação de que o casamento deles continua, eles já sabem disso, obviamente, e todos os personagens também sabem. Mas é uma revelação para o público, e o foco da câmera na aliança não é por nada que esteja acontecendo na cena na hora, ninguém ali está pensando na aliança no dedo de Beth. É só uma maneira de a série mostrar para o público que eles continuam casados.

Outro exemplo é no último episódio da quinta temporada, o 5x16. O casamento de Kate e Toby estava turbulento, mas os dois haviam acabado de fazer uma jura de que, mesmo com ele indo trabalhar em outra cidade, fariam funcionar. Mas aí o episódio acaba com toda a família durante uma festa de casamento, em que alguém menciona que agora eles têm 45 anos (no presente eles estavam com 40), e Kate surge com um vestido de noiva. O ex-chefe dela aparece e Kevin conversa com ele sobre seu discurso, pedindo permissão para zoá-lo, e ele permite, dizendo que “se você não pode zoar seu futuro cunhado, quem poderia?”.


Isso é a série basicamente dando um spoiler de seu futuro e fomentando teorias que expliquem como os personagens chegaram ali. Passamos a temporada seguinte esperando o momento de Kate e Toby se divorciarem e nos perguntando como ela se aproximaria de Phillip, seu ex-chefe, romanticamente.


Aliás, falando no segundo casamento de Kate. Ele é mostrado no episódio 6x13, chamado Day of the Wedding (Dia do Casamento), durante o qual as personagens Beth e Madison encontram um sutiã no quarto de hotel de Kevin e fazem um jogo de detetive para descobrir com quem ele dormiu na noite anterior. Elas tem várias suspeitas, e no final Randall pergunta ao irmão o que aconteceu. Daí, o episódio seguinte, chamado The Night Before the Wedding (A Noite Anterior ao Casamento), se passa, como o próprio nome já diz, antes do anterior, nos mostrando o que aconteceu com Kevin naquele momento e explicando tudo.


É um tema recorrente, também, a presença de personagens desconhecidos que têm seu próprio enredo em um episódio, até que sua relação com os protagonistas seja revelada no final. Esse foi o mote principal do começo e do final da quarta temporada, em Strangers (Estranhos) e Strangers: Parte Two (Estranhos: Parte Dois).

No primeiro, além de um flashback envolvendo Jack e Rebecca, acompanhamos a história de três novos personagens que a princípio parecem aleatórios, mas que no final se revelam um interesse amoroso de Deja, filha de Randall; uma futura amiga de Kevin; e, por fim, o filho de Kate e Toby, Jack, no futuro.


Na parte dois, dois personagens são revelados como um ginecologista que convence Madison a contar a Kevin que engravidou dele, e Hailey, segunda filha de Kate e Toby, no futuro. A revelação faz todo sentido considerando que é nesse episódio que, no presente, o casal decide adotar.


Mas isso não aconteceu só nesses dois episódios. Outros estranhos são apresentados durante a série e o público tem que descobrir quem eles são e qual sua relação com os protagonistas. Tem uma dessas vezes que eu gosto bastante, que é no episódio 5x08. Madison, que está grávida de Kevin, e a mãe biológica da filha de Kate e Toby estão em trabalho de parto ao mesmo tempo, mas durante o auge da pandemia de coronavírus, então nem Randall nem Rebecca nem ninguém da família podem estar lá com eles. Ao mesmo tempo, acompanhamos a história de Nasir e Esther, um casal dos anos 70 com problemas devido às longas horas de trabalho de Nasir.


No final, Esther pede que Nasir explique a importância de seu trabalho para ela entender por que ele não pode estar em casa por mais tempo, e o marido explica que sua equipe estuda um algoritmo que pode, um dia, permitir que um vídeo seja transmitido instantaneamente à distância. Cortamos então para os Pearsons, separados devido à pandemia, conhecendo os novos integrantes da família através de chamadas de vídeo. No final, uma caixa de texto revela que Nasir e Esther são pessoas reais e fala da importância do trabalho de Nasir para as chamadas de vídeo hoje em dia.

Eu acho essa sacada particularmente tocante, mostrando o quanto a tecnologia foi vital durante o auge da pandemia para que ainda pudéssemos estar presentes na vida um do outro.


Dessa forma, ao controlar cuidadosamente as informações dadas ao público, This Is Us cria mistérios que normalmente não seriam mistérios em outro tipo de série. Mesmo que o flashback da morte de Jack só fosse ser mostrado mais tarde, uma série não interessada nesse controle poderia já revelar desde o começo que ele morreu num incêndio por ter voltado para salvar o cachorro de Kate. Mas This Is Us não faz isso, ela esconde as informações, mostra cenas do futuro ou diálogos sobre o passado que revelem algo de pouco em pouco, fomentando teorias e criando reviravoltas a partir de tramas que não fariam isso naturalmente, apenas se pensadas com muito cuidado.


Mas a maneira diferenciada como This Is Us conta sua história não se limita aos segredos que esconde e revela. Vários episódios têm uma estrutura diferente, vários mesmo. O uso de um enredo em flashbacks não é exatamente algo novo na televisão, Lost e Once Upon a Time provam isso. Mas This Is Us vai além e tem vários episódios com mais de um enredo em flashback, em épocas diferentes, e com estruturas diferentes.

O 3x04, Vietnam, que narra uma parte da jornada de Jack em seu período lutando na Guerra do Vietnã, é contado em sequências colocadas em ordem cronológica inversa. Começamos com ele reencontrando seu irmão Nicky na guerra, depois partimos pra um soldado amigo se ferindo três semanas antes, daí pra ele se voluntariando pra servir meses antes, daí pra ele tentando ajudar Nicky a fugir meses antes, daí pra Nicky sendo convocado, daí pro nascimento de Nicky... E essa estrutura é justificada com Nicky, em determinado momento do episódio, refletindo “será que nossas vidas fariam mais sentido se olhássemos tudo de trás para frente?”.


Temos também as Big Three Trilogies (trilogias do grande trio), que são conjuntos de três episódios, cada um focado em um dos trigêmeos protagonistas, que se passam ao mesmo tempo e têm flashbacks que também se passam ao mesmo tempo. Foram três delas ao longo da série, na segunda, quarta e sexta temporadas.


Há episódios que são compilados de sequências, em ordem cronológica, da vida inteira de determinados personagens ou de seus relacionamentos, como o 2x17, que mostra a vida da personagem Deja desde seu nascimento até onde ela se encontra no presente. O 3x17 segue uma estrutura parecida, mostrando a trajetória de Randall e Beth desde que se conheceram até sua grande briga no momento atual.


Já o episódio 4x07 conta com três histórias paralelas. Uma é um flashback normal, focado em Randall quando criança. Já no presente, depois que Deja mata aula para sair com o namorado Malik, Randall e Beth convidam os pais do garoto para jantarem em sua casa para que eles se conheçam melhor. Mas, durante o episódio, acompanhamos o jantar e o encontro simultaneamente, mesmo que tenham acontecido em dias diferentes. Assim, cortamos de uma cena do presente para outra de alguns dias antes para outra de 25 anos antes, e o episódio é contado assim.

O episódio 5x09 tem quatro histórias paralelas mostrando quatro situações diferentes em que pais têm de levar seus filhos para casa da maternidade. As tramas de Kate e de Kevin são ambas no presente, já que os filhos dos personagens haviam acabado de nascer no episódio anterior. Já a trama de Randall é de dez anos antes, de quando sua filha mais nova nasceu, e há ainda outro flashback em que Jack e Rebecca levam os trigêmeos para casa.


Esses exemplos de inovações narrativas engrandecem uma série que, mesmo sem elas, ainda seria ótima. Porque This Is Us tem ótimos personagens e consegue emocionar o telespectador muito bem. Mas o fato de sempre tentar contar sua história de maneira diferente, mexendo na estrutura dos episódios e escondendo informações do público, eleva sua qualidade, por mostrar um time interessado que não se acomoda em uma história tradicional.

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