Alguns problemas com o final de Friends

Uma crítica a três escolhas narrativas do final da série Friends (1994-2004).

Começando aqui a primeira análise do site Complicado Demais, quero falar sobre a série Friends – mais especificamente, sobre o final da série.

Friends acabou em 2004, em sua décima temporada, após 236 episódios. Na época, o final foi muito bem recebido pelos fãs, já que trouxe os desfechos que todos queriam: Ross e Rachel ficando juntos de vez após dez temporadas de espera, Monica e Chandler ganhando seus tão esperados filhos e se mudando para cuidar deles, etc. Mas, por mais que The Last One seja um ótimo episódio duplo, e por mais que o final seja divertido, alguns personagens não ganharam o final que mereciam, na minha opinião.

E vou falar sobre isso aqui: Ross e Rachel, Phoebe, e Joey. Os quatro personagens tiveram falhas na conclusão de seus arcos que poderiam ter sido evitadas, e que os impediram de ter um final ideal. Eles ainda ganharam um bom desfecho? Claro, mas eu acredito que havia uma possibilidade de deixá-lo ainda melhor.

Monica e Chandler não, o final deles foi perfeito mesmo. Monica ganhando os filhos que ela sempre quis desde a primeira temporada, não da maneira que ela queria mas não menos amados por causa disso, Chandler superando seus medos e ansiedade e formando uma família, mesmo com a surpresa de ganhar dois filhos ao invés de um.

Agora, Ross, Rachel, Phoebe e Joey mereciam finais melhores. Então vamos a eles.

Ross e Rachel.

Os dois viveram um jogo de gato e rato a série inteira, sendo possivelmente o maior exemplo da dinâmica “will they won’t they” (vão ou não vão) de casais, nunca sendo colocados juntos por muito tempo para manter a expectativa do público. Então foram dez temporadas de mal entendidos, crises de ciúme e debates sobre terem dado um tempo ou não.

E obviamente isso deixou uma marca – para os personagens terem ficado separados por tanto tempo em vez de deixarem as intrigas de lado e ficarem juntos de uma vez, é porque eles eram imaturos demais. Tanto que, hoje em dia, existe uma parcela considerável dos fãs que preferia que a Rachel tivesse ficado solteira, ou com o próprio Joey mesmo. (O que é impressionante, considerando que o romance dela com o Joey foi extremamente mal recebido na época, até pelos atores.)

Mas enfim. Eu acho interessante a narrativa de eles terem que esperar dez temporadas para enfim ficarem juntos porque significaria que eles finalmente estão maduros para terem um relacionamento, que finalmente não vão mais ter aquelas brigas sem sentido ou algo assim.

(O que pra falar a verdade, não é tão real assim. Poucos episódios antes do final temos piadas com o Ross tendo ciúmes da Rachel com Mark, sendo que os dois nem estavam juntos, negando seu possível amadurecimento. Mas tirando isso...)

O problema é que a gente não tem a comprovação, em nenhum momento, de que agora realmente vai ser diferente. De que Ross e Rachel vão conseguir ter uma relação madura após ficarem juntos no último episódio. Isso porque, eles reatam o relacionamento na exata penúltima cena da série inteira. Ou seja, não é mostrado para o público praticamente nada dos dois como um casal novamente.

Então como ter certeza que não vai acontecer a mesma coisa tudo de novo? Que os dois não vão brigar novamente, terminar mais uma vez e que a história vai se repetir? Qual a garantia de que é uma relação madura agora?

Eu acho que era crucial eles terem mostrado isso porque o romance de Ross e Rachel é um dos maiores, senão o maior pilar da série. E pra ter um desfecho adequado, a gente precisa entender que agora vai ficar tudo bem, que agora os dois são maduros, mas a gente não entende isso porque não mostram. Inclusive com piadas como a do Ross com ciúmes do Mark, praticamente dizem o contrário, que eles não amadureceram nada.

Então como resolver esse problema?

Simples. Seria muito melhor se os dois tivessem voltado episódios antes do final, quem sabe até na nona temporada – em que os episódios vinham com desculpas cada vez mais esfarrapadas pra separar os dois, porque ainda não era a hora de ficarem juntos.

Não digo que eles se juntariam logo após o nascimento da filha Emma (que acontece no final da oitava temporada) porque cairia no “ah, ficaram juntos só porque tiveram um filho”. Eles não ficam juntos nesse episódio porque Ross logo se irrita com o mal entendido que fez Rachel pensar que Joey a havia pedido em casamento.

Então eu manteria essa birra do Ross por alguns episódios, mas logo ela passaria e os dois reatariam o namoro na metade da nona temporada, dessa vez uma relação madura que mostra que o tempo que eles passaram separados era necessário, que precisou daqueles anos todos pra que os dois finalmente conseguissem ter uma relação estável.

Mas... daí vem outro problema. Que é o do fim da dinâmica “will they won’t they”. O grande enredo do final da série é a dúvida se eles vão ou não ficar juntos. E, por mais que seja um clichê já cansativo, querendo ou não é um dos destaques de Friends. E Monica e Chandler já servem como contraponto, como o casal que já fica junto sempre.

Então pra manter essa dúvida até o final, eu faria os dois terminarem de novo quando a Rachel recebe a proposta do trabalho em Paris, perto do final da série. Eles conversariam, o Ross explicaria que não pode ir pra Paris por causa do Ben, e os dois terminariam de novo – mas agora, reforçando, de forma madura, com uma conversa. E aí os últimos episódios trariam essa dúvida e todos assistiriam o final pra saber se eles ficariam juntos ou não.

Pra mim era algo que devia ter acontecido, não só pra mostrar que os dois amadureceram de verdade, mas também porque já havia chegado um ponto em que as desculpas que davam pra mantê-los separados nem faziam mais sentido. Então isso consertaria as duas coisas, mas ainda manteria o “will they won’t they”.

(E se alguém perguntar qual seria o cliffhanger da nona temporada – já que em quase todas o cliffhanger é sobre Ross e Rachel, e na minha ideia os dois já estariam juntos –, dava pra terminar com a Monica e o Chandler descobrindo que não podem ter filhos – não seria bem um gancho, mas acho que serve – ou quem sabe o Mike chegando em Barbados e pedindo a Phoebe em casamento na frente do David. Ou não, porque esse triângulo amoroso é outro dos meus problemas com o final. Vamos à Phoebe então.)

Phoebe.

Phoebe é a única protagonista a ficar no final da série com um personagem de fora do grupo dos principais. Temos Ross e Rachel, Monica e Chandler, e o Joey fica sozinho. Já a Phoebe fica com Mike, um personagem introduzido na nona temporada com quem ela se casa na décima.

Então são três os “casais protagonistas” que ficam juntos no final: Ross e Rachel, Monica e Chandler, Phoebe e Mike. Mas enquanto Ross e Rachel, e Monica e Chandler têm desenvolvimentos longos, que ultrapassam temporadas, existe toda uma construção enorme durante vários e vários anos para eles ficarem juntos... Phoebe e Mike não têm isso. Eles ficam juntos na penúltima temporada.

E eu acho que eles precisavam de algo maior. Porque comparada aos outros, Phoebe sempre foi menos importante que eles para o enredo geral da série, ela sempre foi a “secundária” ali e isso fica evidente no romance dela, que também é menos importante que o dos amigos. E eu sei que era impossível ter um desenvolvimento tão trabalhado quanto os outros, porque ela fica no final com um personagem secundário. Mas não é necessariamente sobre tamanho.

O romance de Phoebe e Mike segue a exata mesma fórmula dos vários romances que os personagens todos têm ao longo da série com secundários. Rachel com Tag, Monica com Pete, Ross com Elizabeth, etc. Todos começam o namoro em determinado ponto, ficam juntos por uns dez episódios, e acabam terminando – geralmente perto do fim das temporadas – por uma razão aleatória, geralmente que surge do nada.

E com Phoebe e Mike... foi literalmente a mesma coisa. A história dos dois não tem nada que se destaque em meio a todos esses outros romances, o Mike não é maior do que a Mona ou o Joshua, a construção é a mesma. Os dois se conhecem, ficam juntos por alguns episódios, alguns focando no romance deles e outros não, e no fim terminam por uma razão aleatória, que no caso deles foi que Phoebe queria se casar no futuro e Mike não.

E não tem muita diferença disso pra Pete ter se tornado um lutador de UFC, acabando com seu namoro com Monica, ou pra Rachel ter decidido terminar com Tag por não ver futuro na relação, ou pra Ross ter terminado com Elizabeth porque ela era muito imatura. É... meio que a mesma coisa. Com uma diferença: o Mike volta alguns episódios depois.

E essa volta é estranha. Por que Mike voltou e Pete, Tag, Mona não? Os dois terminam em um episódio, e no seguinte ele ainda aparece pra estabelecer que eles sentem saudade um do outro. Até aí tudo bem, ele não foi o primeiro personagem a aparecer em um episódio depois do término (Mona e Tag também fizeram aparições rápidas, por exemplo). Mas ok, depois disso se passaram alguns episódios sem ele ser mencionado, até que no final da temporada, quando Phoebe estava namorando com David, do nada a gente vê que ela ainda está apaixonada pelo Mike. E por causa das interferências de Monica e Chandler, Mike volta e ele e Phoebe ficam juntos, ela dispensando David.

Mas vamos falar do David por um segundo. Ele é um cientista que surgiu lá na primeira temporada da série, sendo um namorado da Phoebe no episódio de Ano Novo (The One With the Monkey). Os dois têm um namoro muito fofo, até que ele recebe uma bolsa de estudos na Rússia. Ele decide ficar no começo, por causa de Phoebe, mas ela logo percebe que é egoísmo que ele não vá só por causa dela, afinal os dois estavam namorando há poucas semanas, e eles terminam.

E essa história é marcante, é um término doloroso de um casal que foi bem construído, mesmo que apenas por um episódio. E poderia ter sido apenas mais uma tragédia... até que David retornou na sétima temporada. Em The One With All the Cheesecakes, David faz uma visita e pede para ver Phoebe uma noite, bem quando ela tem um compromisso com Joey – compromisso esse que Joey havia desmarcado no dia anterior, e por isso Phoebe havia brigado com ele. Assim, ela não quer ser hipócrita e cancelar com Joey, então tenta terminar tudo rápido para reencontrar o ex-namorado, mas Joey descobre e enrola de propósito. Phoebe se irrita e vai ficar com David, mas ele logo tem de voltar para a Rússia. E é uma cena marcante quando Joey, em vez de brigar com ela, apenas a consola.

E esse episódio traz um precedente: David poderia sim voltar. Antes daqui, ele era só mais um ex-namorado-de-um-episódio (abaixo ainda de Mona, Tag, Pete, que duraram vários episódios cada), mas agora ele havia aparecido na primeira temporada e retornado na sétima, anos depois.

E logo a série chegaria em seu final, e o quão marcante teria sido se David finalmente retornasse e os dois ficassem, enfim, juntos? A história dos dois é diferente dos romances normais de dez episódios que os personagens geralmente têm, afinal começou na primeira temporada e retornou muito depois. É uma história com uma estrutura diferente, e marcante o suficiente para justificar um final juntos.

Diferente de Mike, que apesar de ser um ótimo personagem, tem uma história normal e sem muitos destaques. O final dele com a Phoebe não é ruim, eu acho que os dois formam um bom casal, mas não é especial o suficiente.

Mas até aí tudo bem eles terminarem juntos, o que eu fico triste mesmo é que David volta algumas vezes na nona temporada, para criar um triângulo amoroso desnecessário e que só fez mal aos personagens. Primeiro no começo da temporada, em que Phoebe beija David mesmo já namorando Mike, uma traição que não contribui em nada para a personagem e muito menos para o romance dela – que estava apenas começando.

Depois, no fim da temporada, Phoebe estava prestes a ir a uma festa de Mike para provar que o havia superado, mas encontra David – que voltou para os Estados Unidos de vez – e desiste. Os dois reatam o namoro, mas no episódio seguinte, ela o chama de Mike acidentalmente. E como eu já mencionei, Monica e Chandler se metem e por fim Mike retorna e Phoebe acaba terminando com David. E é esse o final do personagem: vendo sua namorada voltar com o ex na frente dele, e ainda mencionando que a estadia na Rússia só acabou com sua carreira, ridicularizando o coitado.

Acho que esses retornos (os da nona temporada; o episódio da sétima é ótimo) só acabam retroativamente diminuindo a tragédia que é o episódio da primeira temporada, com esse triângulo amoroso desnecessário que não acrescentou nada na série.

De qualquer maneira, Mike e Phoebe fazem sim um bom casal e eu não fico triste que eles tenham terminado juntos – só acho que, quando comparado a Ross e Rachel, e Monica e Chandler, esse romance fica fora de lugar por não ter sido tão desenvolvido assim. E eu acho que Phoebe e David teriam se destacado o suficiente que não soariam tão estranhos. Mas que seja, gosto muito de Phoebe e Mike também, pelo menos ele é mais engraçado que os outros namorados-de-dez-episódios.

E agora, vamos ao último dos meus problemas com o final. E de novo, só pra não haver nenhuma confusão, esses problemas não significam que eu não goste do final, eu adoro, os últimos episódios são ótimos, só acho que poderiam ser ainda melhores narrativamente falando. Mas é só uma opinião. Com isso em mente, vamos ao Joey.

Joey.

Primeiramente: é estranho falar “o final do Joey devia ter sido melhor” porque... bem, o personagem não tem um final. Ross e Rachel ficam juntos, Monica e Chandler têm seus filhos e se mudam da cidade, Phoebe se casa com Mike e decide ter filhos também... e o Joey... o Joey nada.

Durante os episódios finais, ele assiste enquanto tudo à volta dele muda, e é um ponto do enredo que é bem estabelecido, que o Joey não quer que Monica e Chandler se mudem, que Rachel vá pra Paris, ele sente que o grupo vai acabar, que ele vai ficar sozinho, que todo mundo está seguindo em frente menos ele. E esse é um arco incrível. Muito, muito bom.

Mas que não vai a lugar nenhum.

Durante os episódios finais o Joey passa um tempo enorme vendo que o grupo está se desmanchando, e isso faz todo sentido. Friends trata do momento da vida, entre os 20 e 30 anos, em que a coisa mais importante da vida são os amigos, sair com eles todos os dias e se divertir. Mas logo vêm casamentos, filhos ou empregos que exigem mais, e os amigos vão voltando para segundo plano. Não que deixem de ser importantes, mas não são mais a maior prioridade.

E Friends mostra isso, o final da série é justamente sobre isso. É por isso que a série acaba naquele momento e não podia se estender mais, porque não fazia mais sentido. Os personagens estavam se estabelecendo na vida, estavam “crescendo”, e não estavam mais na fase em que a amizade era a coisa mais importante de suas vidas. E a série chegou à sua conclusão lógica. Phoebe se casa, Monica e Chandler têm filhos e se mudam, Ross e Rachel ficam juntos. Todos esses finais são exemplos de os personagens crescendo e saindo dessa fase da vida, que é muito importante, que foi muito boa, mas que passou. E eles vão continuar sendo amigos, mas não vai ser a mesma coisa.

Mas diferente de todos, o Joey não tem um final desses. Ele acaba a série ainda nessa fase, e triste porque seus amigos não estão mais. Claro, ele é reconfortado pelo pensamento de que a amizade não vai acabar. Mas o tempo que eles passavam juntos vai diminuir sim, querendo ou não. E eles tocam muito nisso na última temporada, mas não dão uma conclusão.

E por mais que existam argumentos a favor desse final, não acho que justifiquem. Porque realmente, nem todo mundo se estabelece na vida ao mesmo tempo e terminar com o Joey perdido é uma proposta realista. Mas Friends é uma série, então não precisava se ater a isso, especialmente se for tirar de um dos personagens mais importantes um desfecho. E sim, o Joey era a eterna criança, a “alma” do grupo, então faz sentido ele ficar nessa fase mesmo os amigos todos saindo... mas isso é muito triste. Porque ele ainda tem a necessidade de sair com os amigos todo dia, eles ainda são a prioridade dele... mas ele não é a prioridade deles. Isso é extremamente triste.

Por isso inclusive pensei em um arco que, na minha opinião, daria para o Joey o final que ele merecia. De novo, não sou eu querendo dizer que tinha que ser assim, porque realmente eu acho que seria melhor, mas de novo, é apenas a minha opinião.

Tudo começaria no episódio em que Monica e Chandler revelam que vão se mudar. Antes disso, lá no começo do episódio, Joey receberia uma proposta de trabalho que seria uma grande oportunidade para sua carreira, mas ele recusaria porque precisaria se mudar, e ele não conseguiria ficar longe dos amigos. Aí ele descobriria que Monica e Chandler estão se mudando e perceberia: ele não está no mesmo lugar que eles.

E no resto da temporada haveria um arco de crescimento, ele aceitaria o trabalho e, com ajuda dos amigos, chegaria também nessa próxima fase da vida. Acho que uma trama assim casaria melhor com a proposta do desfecho da série.

(Além de que, eu sei que o Joey foi deixado sem final porque fizeram um spin-off pra ele – spin-off esse que ninguém lembra e que foi cancelado no meio da segunda temporada, com alguns episódios nem indo ao ar. Mas o spin-off começa com ele se mudando, então faria sentido ter esse arco na décima temporada.)

Eu não acho que seja necessário para o Joey ficar com uma namorada pelo fim da série, porque pra mim é muito bom um dos personagens ficar solteiro no final. Não acho que deveria ter sido o Joey, porque ele tem um arco no começo da série que nunca foi muito desenvolvido, sobre arranjar uma namorada no futuro. Então pra mim ele devia ter ficado com alguém sim. Mas gosto da ideia de ter algum dos seis solteiro, então não vou reclamar.

(Sobre esse arco do Joey que eu falei, é no episódio em que ele descobre que o pai dele trai a mãe. Ele fica em dúvida se ele mesmo, quando estivesse em um relacionamento sério, seria capaz de ser fiel, e pergunta pro Chandler o que ele acha, é uma das minhas cenas preferidas da série toda. Mas esse arco nunca foi pra frente, infelizmente.)

De qualquer maneira, esses são os três problemas que eu tenho com o final de Friends. Nem “problemas” especificamente porque eu adoro o final, acho que eles fecharam a história de um jeito muito interessante. Aqui queria só apresentar mesmo um caminho diferente, que na minha opinião teria funcionado melhor.