As inovações do Homem-Aranha do MCU (parte 2)
- Marcelo Pedrozo
- 12 de dez. de 2021
- 9 min de leitura
Segunda parte do texto sobre as inovações do Peter Parker do Universo Cinematográfico da Marvel (2008-) e as diferenças entre essa versão do personagem e aquelas mostradas nas franquias Spider-Man (2002-2007) e The Amazing Spider-Man (2012-2014).

Na primeira parte do texto, eu discuti um pouco sobre as diferenças entre as caracterizações do Peter, de seus interesses amorosos (as duas MJs, Gwen e Liz), do Flash e falei sobre como a nova dinâmica escolar, menos estereotipada, funciona bem no MCU. E, nessa segunda parte, vou começar falando sobre a tia May.
Eu preciso falar que eu adoro a tia May da Marisa Tomei. Ela é bem xingada na internet por ser mais nova do que a May dos quadrinhos e dos outros filmes, mas para mim funciona como uma inovação para evitar repetir as outras versões. Dizem que ela só está lá para fazer a piada de “tia gostosa”, mas pelo menos em Homecoming, não é verdade.
Tem uma cena em especial de que eu gosto muito, que é depois do Peter estragar tudo na cena da balsa e de o Tony tirar o uniforme dele. Peter chega em casa e May dá uma enorme bronca nele, irritada, à beira de lágrimas, falando que está atrás dele o dia inteiro, ligou para cinco delegacias, e que ele não pode fazer isso com ela... até que, do nada, ela para a briga ao ver que Peter está triste, pergunta o que aconteceu e começa a consolá-lo. Acho essa cena bem poderosa emocionalmente.

Mas, no geral, a dinâmica dela com o Peter em Homecoming está cheia de momentos bons. Eu gosto bastante de ver como os dois são amigos mesmo, dá uma credibilidade maior à relação deles. Ela ainda é uma mãe protetora, preocupada com o Peter, mas é tão mais fácil se importar com eles ao vê-los realmente amigos. Cenas como May ajudando Peter a treinar dança para o baile e os dois assistindo a tutoriais de como dar nó na gravata são tão, mas tão boas.

E eu nunca me importei do mesmo jeito com as outras tias May, porque eu não acho que os filmes fizeram questão de mostrar tanto da dinâmica delas com Peter. Sabíamos que eles eram importantes um para o outro, mas não vimos muito disso. Não que elas sejam ruins, claro que não, a cena do discurso de May em Spider-Man 2 é um clássico por razões óbvias, e a cena em que May praticamente reivindica a maternidade do Peter em The Amazing Spider-Man 2 é uma das melhores do filme.
Mas Homecoming mostra mais dos dois em seu dia a dia, quando May não está contando para Peter a verdade sobre seus pais ou dando um discurso sobre ele voltar a ser um super-herói. E isso é por uma razão bem simples: o nível dos filmes é diferente. E, quando eu falo nível, não falo da qualidade deles, mas do nível da ameaça da história.

Spider-Man foi a primeira adaptação em um filme live-action do personagem, mas ele já existia nos quadrinhos havia décadas. Eram anos e anos de histórias, que deveriam ser resumidas em duas horas (mesmo com as sequências, são só seis horas). Assim, foram reunidos os elementos mais importantes e colocados ali, porque obviamente não cabia tudo.
Depois veio The Amazing Spider-Man que, tentando criar essa nova franquia centrada em Peter Parker, fez a mesma coisa: trouxe os elementos mais importantes, inclusive repetindo muitos que já haviam sido mostrados na trilogia anterior.
Mas Spider-Man: Homecoming já era o sexto filme do personagem – a gente já sabia que ele não ia para lugar nenhum, que sempre ia ter filme novo dele lá... e isso deu uma liberdade maior na criação das histórias. Não precisavam mais enfiar todos os maiores acontecimentos da vida do Peter em um filme só, porque não ia ter mais um filme só, ainda viriam vários e vários.
E isso deu a Homecoming – Far From Home nem tanto – um aspecto bem interessante: o nível do filme não é tão grande quanto o dos outros filmes do Homem-Aranha (e nem tão grande quanto os outros do próprio MCU). Aqui, vemos bastante do dia a dia de Peter Parker, o que permitiu, como eu falei, que a relação dele com a tia May fosse mais explorada em um ambiente normal. O vilão do filme é só um contrabandista de armas, não alguém que quer acabar com o mundo ou algo assim. E isso é ótimo. Eu já falei aqui que adoro histórias de cotidiano em mundos de fantasia, então não é de se estranhar que eu tenha adorado o filme.
Até porque foram anos e anos de histórias em quadrinhos... e nem todas foram sobre a morte da Gwen Stacy ou sobre o Harry Osborn se tornando o Duende Verde. Então é legal ter um filme do Homem-Aranha que represente esse outro tipo de história, em que ele não precisa salvar o mundo e nenhum personagem extremamente importante morre, que é só mais uma aventura do Peter.
E isso combina inclusive com os temas da história. Obviamente o maior tema do Homem-Aranha é responsabilidade, o personagem inteiro gira em torno disso. Então os filmes de Sam Raimi e Marc Webb foram praticamente todos sobre isso (acho que só Spider-Man 3 traz outro viés). Homecoming então escolhe não focar tanto nesse aspecto, e traz à frente do enredo outro tema importante para o Homem-Aranha: o fato de ele ser o amigo da vizinhança.

Diferente dos outros super-heróis, que salvam o mundo todo dia, não é isso que o Peter costuma fazer, ele é conhecido como o amigo da vizinhança por um motivo. Então Homecoming é sobre isso, sobre a importância desse aspecto do personagem, sobre o Peter aprendendo que ajudar a população local com problemas do dia a dia é tão importante quanto ser um Vingador.
Peter passa o filme inteiro insatisfeito com essa posição, querendo que Tony o promova para missões mais altas, e querendo provar que pode fazer mais. E no fim, ele prova mesmo, tanto que Tony lhe oferece um lugar nos Vingadores, mas Peter recusa, porque depois de tudo o que aconteceu – especialmente do discurso de Toomes, cuja virada para a vilania aconteceu justamente porque Tony é alguém que salva o mundo, mas não se preocupa com problemas menores –, ele entendeu a importância disso.
Far From Home depois traz a responsabilidade de volta – porque, afinal, é o maior tema do Homem-Aranha –, mas também de uma maneira diferente, ao ser uma inversão direta do arco do primeiro filme e trazer um Peter traumatizado após ter sido obrigado a assumir muito mais responsabilidade do que estava preparado para ter (em Infinity War e Endgame) ao ir ao espaço, lutar contra um titã maluco que matou metade do universo por cinco anos, incluindo ele, e depois ver seu mentor morrer.
Aliás, tem algo muito interessante nos arcos dos dois filmes, que são ambos sobre o Peter literalmente aprender o tema, em um arco bem tradicional de mudança positiva. Em Homecoming, ele começa o filme achando que só vai importar se conseguir ter missões maiores, e, no final, aprende que ser o amigo da vizinhança é tão importante quanto salvar o mundo; e, em Far From Home, ele começa o filme fugindo de todas as responsabilidades porque está traumatizado e quer ter umas férias da vida de super-herói, mas, no final, aprende que não precisa ser perfeito para assumir essas responsabilidades, e que é seu dever fazer isso de qualquer maneira.
E eu acho bastante estranho que uma grande reclamação sobre esse Peter é que ele não é o amigo da vizinhança e não quer assumir as responsabilidades... sendo que os arcos dos dois filmes são justamente sobre ele aprender essas lições... (Não é como se os outros Homens-Aranha fossem perfeitões e não cometessem erros, eles também tinham seus arcos de personagem em que aprendiam lições e se tornavam pessoas melhores, do mesmo jeito que o Peter do MCU.)
E aproveitando o assunto do tema, tem outra coisa que eu queria comentar, que é a ideia de a identidade do Peter não ser mais secreta. Ainda não sabemos como isso vai se resolver em No Way Home, se o final do filme vai fazer o mundo todo esquecer que ele é o Homem-Aranha ou se vão continuar sabendo... eu particularmente torço para que continuem sabendo, porque os últimos sete filmes já exploraram o suficiente a identidade secreta e existem várias oportunidades interessantes de histórias que mudem isso.

Agora, para finalizar, eu falei sobre o Toomes alguns parágrafos atrás, então deixa eu falar sobre os vilões dessa nova versão. Um ponto interessante considerando que os vilões de No Way Home serão os das outras franquias, em um retorno multiversal.
Tanto Toomes quanto Mysterio, os antagonistas dos filmes do Homem-Aranha de Jon Watts, têm particularidades interessantes. Em uma franquia como o MCU, que foi sempre criticado por ter vilões fracos, Toomes e Mysterio se destacam por serem personagens não apenas bons, como diferentes do que havíamos visto antes.
Porque por mais que as franquias de Raimi e Webb tenham vilões elogiados (bem... mais a do Raimi, mas mesmo assim), para mim a grande maioria deles era repetitiva demais. Metade segue a fórmula do cientista que tem um projeto para mudar o mundo, testa em si mesmo e acaba sofrendo uma transformação que o torna um vilão (como Norman, Otto e Connors). Ou, se o personagem não é o cientista em si, ele acaba sofrendo uma transformação por causa de um experimento científico de outra pessoa (como Flint Marko, Max, os dois Harrys e acho que dá para contar o Eddie Brock).
Nisso eu acabei de mencionar todos os vilões principais dos cinco filmes. Claro que cada um tem sua peculiaridade, mas o enredo da transformação e dos experimentos científicos já tinha cansado... e, por sorte, os filmes de Jon Watts trazem vilões que não exatamente se encaixam nisso.
Primeiramente, nem Toomes nem Mysterio sofrem transformações malucas: um tem um traje que o permite voar e o outro usa drones de CGI, mas sem nada de gás tóxico ou braços mecânicos malvados ou braço lagarto ou enguias geneticamente modificadas que os tornam vilões.

Além disso, eu sempre achei a maioria das motivações dos outros vilões bem fracas. Otto e Connors queriam completar seus experimentos que eram tão malucos que nunca pareceram motivações convincentes; Eddie, Norman e Max queriam só ser maus mesmo sem nada demais; os dois Harrys tinham motivações que pareciam interessantes mas foram extremamente mal desenvolvidas, vítimas de filmes que enfiaram o maior número de personagens possível; e acho que só o Flint Marko foge da regra... mas eu nunca achei o enredo dele muito interessante.
Agora, com Toomes, temos um cara que perdeu tudo e precisava sustentar a família, e agora montou um negócio confortável de vender armas para criminosos, simples assim. E o Mysterio é um egocêntrico que quer aproveitar o vácuo deixado pela morte dos Vingadores principais para fingir ser um herói e ser admirado pelo mundo todo. São vilões que não seguem uma fórmula específica, não sendo repetitivos e sendo, na minha humilde opinião, os melhores antagonistas em live-action do Homem-Aranha...
...o que não quer dizer que eu não esteja extremamente ansioso pela volta dos vilões das outras franquias, especialmente do Norman, cuja falta de motivação nunca o afastou de ser o melhor antagonista até então.
Mas então, quer dizer que eu acho os filmes do MCU extremamente superiores às outras franquias em todos os aspectos e considero o Tom Holland o melhor Peter sem nenhuma competição?
Bem, é óbvio que não.
Eu passei os dois textos citando as inovações de que eu gosto nesses filmes, e como elas ajudam a renovar a história ao mesmo tempo em que as características principais são mantidas, e como esses filmes conseguem adaptar a história do Homem-Aranha aos dias de hoje muito bem, especialmente se comparados aos aspectos das outras franquias que já ficaram datados...
...Mas isso não significa que não existam inovações das quais eu não gosto, ou elementos que eu prefiro nas outras franquias. Eu não sou fã, por exemplo, da alergia que o MCU parece ter a uma simples menção ao tio Ben, cuja existência só foi realmente confirmada em um episódio aleatório de What If...?.

E eu também reconheço que a relação do Peter com o Tony e a eliminação dos problemas de falta de dinheiro dele tiram bastante da relacionabilidade do personagem, ao colocar o super-herói que era uma pessoa comum para ter um relacionamento tão próximo com um mega bilionário e não fazê-lo sofrer para pagar as contas. Até vejo que eles não tiveram muita saída, porque em Homecoming Peter justamente rejeita a ligação com o Tony, preferindo um caminho de super-herói diferente do dele. Imagino até que o plano era para o próximo filme solo nem mencionar o Tony tanto assim... mas aí caiu que Far From Home foi lançado logo após a morte do Tony em Endgame e não tinha muito como fugir disso. Mas, mesmo assim, não é algo de que eu gosto.
E por mais que eu goste da ideia de a tia May abertamente saber que o Peter é o Homem-Aranha... a execução foi bem ruim, e eu não me refiro só ao fato de que a gente não viu a primeira conversa dos dois depois que ela descobre, mas também ao fato de que Far From Home não tem nenhuma cena dela preocupada com ele nem nada. O que é um desperdício considerando a ótima cena dela desesperada por causa dele em Homecoming.
E, obviamente, apesar de eu ter elogiado a mudança na abordagem da responsabilidade em Far From Home, nenhum filme vai superar a maneira como Spider-Man 2 (e a franquia do Sam Raimi em geral) exploraram o tema... Mas a verdade é que tudo bem. Essas histórias já existem, todas foram ótimas para o que se propuseram (ou quase isso)... mas elas já foram contadas várias vezes, está na hora de ter algo diferente. E, por mais que algumas inovações não me agradem, no geral o Homem-Aranha do MCU conseguiu muito bem equilibrar os novos caminhos que precisa tomar para justificar sua existência, e o essencial para ainda ser uma boa história do Homem-Aranha.
Que venha No Way Home.
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