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Comparando WandaVision e Once Upon a Time: premissa vs enredo

  • Foto do escritor: Marcelo Pedrozo
    Marcelo Pedrozo
  • 26 de mar. de 2021
  • 11 min de leitura

Uma comparação entre as séries WandaVision (2021) e Once Upon a Time (2011-2018), e de como ambas abandonam suas premissas iniciais em favor de uma expansão do enredo.

Primeiramente, esse texto vai ser uma espécie de continuação da análise sobre o formato da 1ª temporada de Once Upon a Time, então se você quiser, eu recomendaria ler antes. Mas não é necessário.


Então, vamos à análise. Aqui eu quero comentar sobre duas séries, Once Upon a Time obviamente, e WandaVision. Mais especificamente, quero comparar as duas, porque se você reparar, elas são bem parecidas, desde a superfície do enredo até uma parte temática curiosa que eu vou comentar depois. Ah, e obviamente, spoilers para ambas as séries.


Começando por Once Upon a Time. Essa série conta a história de personagens de contos de fada presos em uma cidade no nosso mundo, Storybrooke, após terem sido vítimas de uma maldição lançada por Regina, a Rainha Má. Nessa cidade, eles assumem novas identidades, e o feitiço é feito para dar a Regina o que ela queria.


Já em WandaVision, a personagem Wanda acidentalmente lança um feitiço sobre a cidade de Westview, que dá novas identidades a cada um dos moradores e os prende lá. A cidade é remontada como uma sitcom antiga, para dar a Wanda sua vida perfeita.


Ou seja, em ambas as séries temos personagens presos em uma determinada cidade por um determinado feitiço lançado por uma determinada personagem, que lhes dá novas identidades e os mantém miseráveis para a alegria da lançadora da maldição. Premissas bem semelhantes.


E não só isso. Se você for olhar bem, existem vários pequenos detalhes parecidos entre as duas séries, mas esses são ainda mais superficiais do que a premissa central. De qualquer maneira, posso listar aqui: os filhos que Wanda e Regina ganham em sua estadia na cidade, e que elas lutam para manter; Emma e Monica, as intrusas que entram na cidade após o lançamento do feitiço e tentam ajudar os moradores, fazendo com que Regina e Wanda tentem expulsá-las, mas no fim elas viram amigas; a incrível capacidade de Monica e Emma de insistir que Regina e Wanda têm redenção e de perdoá-las por seus erros não exatamente perdoáveis; o irmão perdido de Regina e Wanda que reaparece mais pra frente na série e causa problemas; o fato de que ambas criaram o feitiço motivadas pela perda de seus namorados; e várias outras semelhanças interessantes.

Inclusive nas duas séries a facilidade de os personagens serem perdoados por crimes graves é preocupante. A Monica com a Wanda em WandaVision e todos os protagonistas com praticamente todos os vilões, em especial a Regina, em Once Upon a Time. Mas por mais que isso tenha me irritado durante a série, eu acho que o último episódio de WandaVision trabalhou bem a Monica perdoando a Wanda. Mas isso é material pra outro texto.


Inclusive, é bem interessante quantas semelhanças superficiais conseguimos encontrar entre ambas as séries. Não que eu esteja acusando WandaVision de plagiar Once Upon a Time (o que não faria sentido), mas são coincidências engraçadas. Até porque algumas dessas características que elas têm em comum são mais generalizadas de propósito, para que ambas possam caber (vi alguém comparando Daniel e Visão, porque ambos morreram duas vezes, e em uma delas foram mortos por Regina/Wanda... o que não é mentira, mas mesmo assim é algo forçado de se comparar. Não que não seja divertido falar desses detalhes em comum).


De qualquer maneira, nada disso importa, essas são todas semelhanças superficiais e que são interessantes de se notar, mas que não renderiam um texto aqui. Eu não estou aqui pra falar sobre elas, são coincidências legais e nada mais. Mas, ao notar essas semelhanças superficiais, é possível ver que as duas séries têm mais em comum do que conseguimos ver na superfície, e que existe uma característica interessante que elas compartilham.


Quem leu meu texto sobre Once Upon a Time cujo link eu botei no primeiro parágrafo vai lembrar o que eu falei sobre o formato da série e como ele muda após a primeira temporada, o que eu pessoalmente acho uma decisão ruim. Pra quem não leu, basicamente a primeira temporada tinha um estilo bem estabelecido, que consistia nos contrastes entre as versões dos personagens no mundo real e suas versões de contos de fadas. Cada episódio contava um evento do mundo real aliado a um flashback que fazia paralelos com a história do presente, e o formato da série eram esses contrastes entre o mundo real e os contos de fada.


E isso só era possível porque a maldição ainda estava ativa, e isso é importante. Porque mais pro final da primeira temporada, mais e mais personagens começam a acordar e lembrar quem são, e aí várias histórias no presente são sobre magia, o que estraga o contraste. E no último episódio da temporada, a maldição é quebrada, todos ganham suas memórias de volta, e magia chega à cidade de Storybrooke. Assim, não existe mais paralelo porque o realismo nas histórias do mundo real não existe mais. Não tem batalhas de custódia, investigações policiais, agora ambas as partes dos episódios são sobre derrotar vilões que querem lançar feitiços.

E isso tirou a magia da série, que estava justamente na maldição. A maldição é o pontapé inicial, é a premissa da série: esses personagens presos no mundo real com novas identidades. Mas ao quebrar a maldição, a premissa da série foi abandonada, e na minha opinião isso foi um erro.


Com WandaVision, temos algo semelhante. Obviamente, agora estamos falando de uma minissérie de 9 episódios versus uma série longa de sete temporadas de 22 episódios cada, então existem diferenças importantes aqui. Mas se você for olhar, a mesma coisa que acontece em Once Upon a Time acontece em WandaVision.


Os primeiros três episódios da série são inteiramente dedicados à premissa inicial, que é a paródia/homenagem às sitcoms, do mesmo jeito que a premissa inicial de Once Upon a Time é o contraste entre os contos de fada e o mundo real. Então, quando assistimos esses três primeiros episódios, vemos personagens ainda sob o feitiço, com identidades falsas, vivendo da mesma maneira que personagens de uma sitcom. E o episódio é todo estruturado como uma sitcom antiga mesmo, com a abertura, o aspect ratio (proporção da tela), as risadas de fundo, preto e branco, até com comerciais!


Então se a magia de Once Upon a Time são os paralelos magia x realismo, a magia de WandaVision é a paródia de sitcoms, e... as duas têm uma coisa em comum, que é que logo essas magias são abandonadas. Ou mais ou menos.


No final do episódio 3, aparentemente porque Wanda se distraiu, Monica se libertou rapidamente do feitiço e resgatou uma lembrança do mundo real: que o irmão de Wanda, Pietro, foi morto por Ultron. E essa lembrança, aliada ao colar que Monica usa da S.W.O.R.D. (agência que Wanda encontrou logo antes de ir para Westview e que estava guardando o corpo do Visão) faz Wanda perceber que Monica é uma potencial ameaça e expulsá-la da realidade.

Então com Monica saindo de Westview, temos nosso primeiro contato com o mundo real, fora de uma ou outra pista nos episódios anteriores, e temos um relance da base da S.W.O.R.D. que foi montada fora da cidade, para investigar o feitiço que Wanda colocou (que é apelidado pelos personagens de Hex).


Assim, o quarto episódio, apropriadamente chamado We Interrupt This Program (Interrompemos este Programa), se passa totalmente no mundo real, contando como Monica entrou em Westview e foi tomada pelo Hex, como a S.W.O.R.D. montou sua base lá fora, e dando alguns detalhes sobre como o feitiço funciona.


E pelos três episódios seguintes (os três últimos a serem paródias de sitcom), nós já não temos mais aquela magia do começo. Porque por mais que ainda tenhamos aberturas, risadas de fundo, enredos estilizados, proporções de tela apropriadas à época, tudo isso agora divide espaço com o enredo da S.W.O.R.D., que não é uma paródia de sitcom e que foge do tema.


E não só isso, mesmo em Westview temos personagens “acordando” do feitiço, com Visão tentando entender o que está havendo, Wanda percebendo o feitiço que lançou, Agnes revelando que sempre soube e que está manipulando tudo desde o começo, a chegada do Pietro falso, que conversa com Wanda sobre o feitiço em si... e tudo isso tira o foco das paródias de sitcom em si.


Vou pegar o episódio 6 como um exemplo. Ele é baseado em sitcoms dos anos 90-2000, especificamente Malcolm in the Middle. E a primeira cena é exatamente nesse estilo, com Billy e Tommy, as crianças, falando diretamente com a câmera para explicar algumas situações e fazer piadas, e com o uso de flashbacks rápidos para comédia. Tudo isso, mais os próprios diálogos da cena, é uma paródia perfeita das sitcoms que a série quer homenagear aqui.


Mas tudo que é bom dura pouco, e pelo resto do episódio praticamente não temos mais isso, porque afinal precisamos mostrar o que Monica está descobrindo sobre o Hex fora de Westview, não tem como ficar lá o episódio todo. E mesmo dentro da cidade, temos “Pietro” interrogando Wanda sobre como ela colocou o feitiço e Visão investigando o que está acontecendo, inclusive chegando a “acordar” Agnes do feitiço.

No caso ela estava fingindo porque sempre esteve acordada, mas enfim.


Ou seja, o estilo de sitcom é uma parte secundária do episódio, que fora da cena inicial, prefere focar em Wanda, Visão e Monica discutindo sobre o Hex. A melhor parte desse episódio são as cenas em que temos essa paródia, porque é tudo tão perfeito, tão bem colocado, tão exatamente como essas sitcoms eram, mas o resto do episódio não se preocupa muito com isso, é mais sobre o enredo em si mesmo.


Antes de falar mais disso, vou dar mais um exemplo, do episódio 7. No fim do 6, Darcy, personagem que estava investigando o Hex na base da S.W.O.R.D. até o momento, é sugada por ele e acaba indo parar dentro de Westview, também ganhando uma nova identidade e tudo o mais. Eu estava muito ansioso para o episódio 7, para ver que identidade ela assumiria, e que piadas ela traria (afinal, Darcy sempre foi um dos alívios cômicos da série, então era de se esperar que sua versão da sitcom fosse um destaque do episódio). Mas... ela tem só uma cena dentro do feitiço e logo é “acordada” por Visão, e os dois passam o resto do episódio discutindo o funcionamento do Hex e os passados dele e de Wanda. E isso foi decepcionante, porque de novo, existia um potencial muito grande para explorar a paródia de sitcom com a Darcy ali. Mas não tem tempo pra isso, temos que focar no enredo.


E vamos falar de enredo então, o grande culpado pelas magias de WandaVision e Once Upon a Time terem sido abandonadas. Do ponto de vista criativo, podemos assumir que as primeiras ideias que surgiram para ambas as séries foram: “vamos fazer uma paródia de sitcom com Wanda e Visão pra explorar o luto dela!” e “vamos trazer os personagens dos contos de fada pro nosso mundo!”, eram essas as premissas que deram vida a todo o resto, foi dali que nasceu o resto de cada série.


Só que, obviamente, alguma explicação tinha que ser dada para essas premissas. Afinal, como explicar que Wanda e Visão estão agora vivendo em um mundo de sitcom? Como explicar que os personagens de contos de fada ganharam novas identidades no mundo real? Esses elementos precisam de alguma razão para estarem ali, pra fazerem sentido. E daí surge o enredo.


Disso surge a S.W.O.R.D. tentando destruir o Hex, e ganhando toda uma história em paralelo. E disso surge Hayward e seu plano de ressuscitar o Visão. E disso surge o Visão Branco.


Disso surge a Rainha Má tendo sido quem lançou a maldição. E disso surge seu motivo para odiar a Branca de Neve. E disso surge seu noivo que sua mãe matou.

Então, agora não temos mais uma história sobre uma paródia de sitcom, ela evoluiu para muito mais que isso, agora temos que lidar com uma anomalia que está tomando conta de uma cidade e com a agência que está monitorando tudo, cujo líder corrupto quer ressuscitar o Visão.


Então, agora não temos mais uma história sobre os paralelos de fantasia x realidade, ela evoluiu para muito mais que isso, agora temos que lidar com personagens que também evoluíram, Regina não é mais “a adaptação da série da Rainha Má”, ela é Regina, uma personagem com toda uma história complexa e tudo o mais.


E isso é inevitável, óbvio. Precisa haver uma explicação sobre por que essa paródia de sitcom está acontecendo, e precisa haver uma explicação sobre por que esses personagens de contos de fada estão no mundo real. Mas chega um momento em que esses enredos se tornam tão grandes e complexos, que a simplicidade das premissas originais se perde, e elas não importam mais. Quando teorizávamos sobre o próximo episódio de WandaVision não era mais sobre qual sitcom eles homenageariam, e sim sobre quando Monica ganharia seus poderes; e quando teorizávamos sobre a entrada de novos personagens em Once Upon a Time, era sobre como eles interagiriam com a Regina, e não sobre que identidades eles teriam no mundo real.


E eu acho isso triste, de verdade. Porque a magia de ambas as séries estava em seus formatos iniciais, mas elas se tornaram outra coisa com o passar do tempo. Era um movimento esperado, mas que podia ser contornado. Podiam ter diminuído o foco na S.W.O.R.D. e mostrado mais os enredos de sitcom. Podiam ter mantido o realismo nos enredos de Storybrooke e introduzido os personagens novos com suas duas identidades. Isso ajudaria a fazer com que as séries, por mais que evoluíssem e se transformassem, nunca deixassem suas essências, mas isso não aconteceu, e elas deixaram as essências para trás, porque se tornaram maiores que elas.

WandaVision um pouco menos porque, claro, estamos falando de uma minissérie então tem menos tempo pra abandonar a premissa, enquanto que Once Upon a Time o fez por mais de cinco temporadas. Mas ambas as séries fizeram, ambas se tornaram grandes demais para seu próprio bem e ultrapassaram o que as fazia especiais em primeiro lugar.


O que leva a toda uma discussão sobre: “propostas iniciais de histórias deveriam ser mantidas para sempre?” Que é uma discussão que não tem resposta porque, obviamente, a opinião de cada um é subjetiva, e mesmo eu não tenho uma resposta que me agrade mais. Porque eu não acho que devamos nos prender, pode ser que a proposta inicial não esteja funcionando e que precise ser mudada, ou mesmo que esteja funcionando, mas está na hora de trocar pra outra coisa. Acho que existe todo o tipo de possibilidade quando estamos falando da ciência de contar histórias.


Mas ao mesmo tempo, eu sinto que a premissa inicial de uma história é uma promessa feita por seus criadores ao público. É uma promessa de “esse é o estilo da série, se você gostou, continue assistindo/lendo que temos mais disso”, e às vezes quando acontece de tal formato ser abandonado, eu sinto como uma quebra dessa promessa.


E não apenas com premissas iniciais, mas com premissas de arcos específicos no meio das histórias também. Vou dar um exemplo de The Good Place, que no começo da 2ª temporada prometeu passar uns episódios mostrando a personagem Vicky torturando psicologicamente os personagens principais, só que eles já sabiam que ela estava tentando torturá-los e precisavam fingir que não para manter seu disfarce. Essa dinâmica, que parecia muito interessante, foi explorada por um único episódio e logo foi abandonada, com Vicky perdendo sua função nos episódios seguintes e as falsas torturas caindo no esquecimento, o que é uma pena, pois era uma trama que tinha muito potencial e não levou a lugar nenhum, a série preferiu focar em outras coisas no resto do arco e abandonou a proposta inicial, que podia ter originado tantas situações interessantes.

Isso também aconteceu com Brooklyn Nine-Nine, em que o gancho da primeira temporada foi a saída temporária do protagonista Jake da polícia, para que ele se infiltrasse na máfia e pudesse reunir provas contra os criminosos. Sendo o gancho de troca de temporada, era esperado que passássemos uma parte importante da temporada seguinte explorando esse arco, mas... não. Nos primeiros três minutos da 2ª temporada, Jake já volta à polícia e tudo está de volta ao normal.

Em WandaVision e Once Upon a Time, cada uma prometeu um estilo específico, e eu me investi nelas por causa disso, esperando ver mais disso porque são estilos que eu realmente gostei, propostas interessantes e que renderiam muitas possibilidades (assim como as dos arcos mencionados de The Good Place e Brooklyn Nine-Nine). Mas essas propostas logo foram abandonadas, e a partir daí meu encantamento com WandaVision e Once Upon a Time diminuiu, em diferentes graus para cada uma, mas diminuiu, porque a história se vendeu como uma coisa e virou outra.


E, bem, eu sei que WandaVision sendo uma minissérie, já tinha a quebra da sitcom planejada desde o começo, é diferente de Once Upon a Time que, como uma série contínua, foi sendo planejada com o passar do tempo. Mas por isso mesmo, eu me incomodo menos com o abandono que WandaVision tem de sua premissa, porque era um abandono que já estava nos planos. Mas é um abandono ainda assim.


Então, eu não sei responder se, em minha opinião, todas as histórias devem seguir seus formatos iniciais para sempre. Digo, eu acredito que não, porque fazer esse tipo de regra para “todas as histórias” é sempre perigoso, generalizar é sempre ruim. O que funciona para uma história pode não funcionar para outra. Mas... ainda mantenho minha constatação de que a proposta inicial é uma promessa, e que o abandono dessa proposta é uma quebra da promessa. Pode ser que resulte em algo bom? Pode, claro. Mas a promessa ainda foi quebrada.

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