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O que é uma história de "e se..."?

  • Foto do escritor: Marcelo Pedrozo
    Marcelo Pedrozo
  • 1 de abr. de 2022
  • 9 min de leitura

Crítica à maneira como a série What If...? (2021-) utiliza o conceito de realidades alternativas, e análise do que o uso desse recurso pode e deve significar.

E se... esse texto não tivesse sido escrito?


Ano passado, estreou mais uma série de televisão da Marvel Studios: What If...?. O título pode não ter mudado na tradução brasileira, mas significa “e se...?”. A premissa da série é contar o que teria acontecido caso momentos importantes do Universo Cinematográfico da Marvel tivessem acontecido de maneira diferente, e explorar essas diferenças. É uma série antológica, em que cada episódio conta uma história diferente e independente (até o último, mas já devo falar disso).


A premissa da série vem da revista de mesmo nome, em que diversas situações dos quadrinhos da Marvel foram reimaginadas. Apesar da proposta interessante, a série falhou em prender espectadores e, hoje, a opinião geral parece ser de que ela é até divertida, mas que falta qualidade e que o “único episódio bom é o do Doutor Estranho”. Até fãs da Marvel questionaram a vitória da primeira temporada na categoria Melhor Série Animada no Critics' Choice Awards de 2022. Mas por que, afinal, What If...? falhou?


Primeiro, é preciso avaliar o que a série se propunha a ser: uma história de “e se...”. E o que é uma história de “e se...”? E o que uma história como essa deveria ou poderia ser? Eu consigo pensar em pelo menos três aspectos específicos que uma obra como essa poderia ter, mas nenhum deles estava em What If...?, pelo menos não de maneira consistente nos nove episódios. Então, vamos a eles.

As perguntas.


Uma série que se propunha a apresentar diversos cenários alternativos, diversos universos em que uma decisão muda a realidade, deve, em primeiro lugar, encontrar cenários interessantes. Cenários que queiramos acompanhar, cenários em que façam sentido que nos perguntemos, realmente, o que aconteceria se...?


Mas isso não é o que a primeira temporada de What If...? faz durante boa parte do tempo. Algumas premissas são boas e fazem sentido: o que aconteceria se Peggy fosse a super soldado dos EUA no lugar de Steve, o que aconteceria se Loki nunca tivesse sido adotado, o que aconteceria se Ultron tivesse vencido. São premissas simples, mas que mudariam a história do universo que conhecemos e que nos fazem ficar curiosos para ver o que mudaria, ver aonde aquele efeito borboleta levaria: ter a resposta levantada pela pergunta do “e se...”.


Mas os outros episódios têm premissas estranhas, que eu nunca em um milhão de anos teria imaginado, e que eu realmente não me importaria se nunca soubesse a resposta dessas perguntas. Com tantas perguntas possíveis de serem feitas, é difícil de acreditar que estejam respondendo justamente àquelas. Um dos episódios literalmente se chama “E se... zumbis?”, desistindo de fazer perguntas que façam sentido e só jogando um cenário que não cabia na proposta da série.

De verdade, eu realmente não me importo em ver o que aconteceria caso o T’Challa tivesse sido sequestrado pelo Yondu e virado o Senhor das Estrelas no lugar do Peter Quill. De onde essa ideia aleatória surgiu? Ou pior, quem em um milhão de anos se perguntaria o que aconteceria se o Killmonger tivesse resgatado o Tony Stark durante os eventos do primeiro filme dele? De onde surgiram essas perguntas aleatórias, quando há tantas outras interessantes a serem feitas?


Parece que a equipe da série ficou mais interessada em jogar personagens em lugares aleatórios e contar uma história maluca com eles do que realmente se perguntar o que mudaria caso tal evento tivesse acontecido de maneira diferente. E assim... até estaria tudo bem jogar os personagens em lugares aleatórios e contar uma história maluca com eles lá se a maluquice tivesse sido bem feita, mas não foi bem isso o que aconteceu.

As respostas.


As perguntas podem não ter sido bem escolhidas, mas desde que respostas interessantes tivessem sido dadas, eu não me importaria muito. Mas que respostas, afinal, foram dadas? E que respostas poderiam ter sido dadas?


Uma história de “e se...” tem um potencial enorme não apenas para explorar outra realidade, mas para nos revelar coisas a respeito da realidade original, a do universo principal, que vínhamos acompanhando desde sempre. Nesse caso, os universos que o Vigia explora tinham potencial para nos fazer revelações do universo dos trinta filmes e séries anteriores da Marvel.


Porque afinal, no contraste entre as realidades, no contraste entre as decisões tomadas pelos personagens em um universo e outro, é ali que podemos conhecer mais nossos personagens. Sabemos que escolha tal pessoa fez se os eventos fossem dessa maneira, mas conhecermos a escolha que ela teria feito se fossem de outra maneira nos diz muito sobre quem ela é.


Friends, por exemplo, faz um episódio de “e se...” que trabalha isso perfeitamente. Além de todas as perguntas feitas pelos personagens, sobre que caminho eles tomariam se suas vidas fossem diferentes, serem coerentes e interessantes (a única mais aleatória é a da Phoebe, mas essa era justamente a piada), as respostas dadas não existem em um vácuo, elas nos fazem tirar conclusões sobre a série e os personagens que acompanhávamos antes.

No final do episódio duplo The One That Could Have Been (Aquele que poderia ter sido), as versões alternativas de Ross, Rachel, Monica, Chandler, Joey e Phoebe, que eram extremamente diferentes das versões normais no começo, estavam indo para o mesmo caminho destas. Inicialmente, se não tivesse desistido do casamento com Barry, Rachel teria se tornado uma patricinha mimada em uma relação falida, diferentemente da Rachel real que rejeitou essa vida e amadureceu, começou a trabalhar e a criar relações sinceras. Ao final do episódio, porém, a Rachel alternativa parece seguir esse mesmo caminho: ela se separa de Barry, reencontra a amiga de infância Monica e inclusive se aproxima de Ross, seu par romântico no universo normal. Monica e Chandler, similarmente, também se aproximam nesse universo alternativo, assim como fizeram na realidade normal, mesmo sendo pessoas bem diferentes aqui. Phoebe também chega a uma situação parecida com a de sua versão normal, etc.


No final, apesar de terem tomado caminhos diferentes, os seis protagonistas todos acabam próximos de suas versões da realidade original, e isso nos diz algo sobre eles. Isso nos diz que o amor de Monica e Chandler não é circunstancial, que ele teria acontecido de um jeito ou de outro. Nos diz que Carol podia até demorar mais, mas em algum momento sairia do armário e que seu casamento com Ross nunca poderia dar certo. Passamos um episódio duplo com versões alternativas dos nossos protagonistas para podermos entender mais sobre eles, para podermos entender que, mesmo se os eventos fossem diferentes, suas personalidades não mudariam, que sua essência se manteria a mesma de um jeito ou de outro.


A Turma da Mônica Jovem fez algo parecido: a edição 37, não por coincidência lançada poucos meses após a icônica edição 34, em que Mônica e Cebola namoraram e terminaram, mostra um universo alternativo em que Mônica se mudou do bairro ainda criança e Cebola virou um ditador na rua. Entramos nessa realidade achando tudo bem diferente, mas no final ela parece ser bem semelhante à realidade principal. Principalmente com a relação de Mônica e Cebola, que começam a namorar no final da edição mesmo tendo seguido por caminhos totalmente diferentes anteriormente.

Esse mundo diferente é acompanhado pelo Astronauta e pela Xabéu da realidade original, depois que ela questiona a utilidade de observar realidades diferentes e ele decide dar um exemplo. Após observarem esse outro universo, Xabéu conclui: “Nem mesmo mudanças de realidade conseguem alterar os sentimentos”. Astronauta completa: “Não importam os infinitos caminhos! [...] Tudo isso pode mudar... mas a essências das pessoas continua a mesma!”


Como eu disse, não é coincidência que a história tenha sido publicada pouco tempo após o término de Mônica e Cebola na realidade normal: ela assegurava os fãs de que os sentimentos deles permaneceriam em qualquer caminho que tomassem, e que portanto provavelmente voltariam a ficar juntos.


Tanto Turma da Mônica Jovem quando Friends usam as realidades paralelas, o “e se...”, para fortalecer características de seus personagens principais, dizendo que elas se manteriam as mesmas em qualquer caminho que tomassem. Outra proposta poderia ser explorada: um personagem que se torna uma pessoa extremamente diferente se a situação também o fosse poderia vender a ideia de que nossa personalidade é moldada pelo meio em que estamos, ou até nos mostrar que esse personagem só faz o que lhe é conveniente. Várias ideias podem ser exploradas através desse tipo de história, através do contraste entre as duas realidades, mas é preciso que alguma ideia seja explorada, porque senão a história fica vazia.


E o maior problema de What If...? é esse: com uma única exceção, a história não defende nenhuma ideia. Os diferentes pontos de vista não são para nos revelar algo dos personagens. O episódio do Killmonger, por exemplo: só vemos ele executando seu plano uns anos antes, com um ou outro detalhe diferente, e com o Tony Stark ali no meio. Mas o episódio não nos conta nada sobre ele, ou sobre o Tony. O episódio da Capitã Carter também me irrita por isso: era uma proposta ótima, uma oportunidade de enriquecer o personagem da Peggy, mostrar suas semelhanças e diferenças do Steve, ao colocá-la no papel que seria dele. No entanto, acompanhamos apenas uma versão encurtada de Captain America: The First Avenger, sem nada de semelhante ou diferente que chame muito a atenção e conte alguma coisa.

A única exceção que eu mencionei vem do episódio do T’Challa: vemos que, caso tivesse se tornado o Senhor das Estrelas, ele teria melhorado a galáxia inteira e transformado os Saqueadores em Robin Hoods. Conseguiria até converter o Thanos e fazê-lo desistir de sua ideia de genocídio. Isso reforça o heroísmo e a bondade do personagem original, ajuda a construir sua caracterização através de um cenário alternativo que mostra o que ele poderia ter feito de bom se tivesse tomado outro caminho. Ao compararmos a galáxia sem T’Challa da realidade original com a galáxia pós-T’Challa do universo alternativo, vemos a diferença que ele pode fazer, e isso nos conta muito sobre ele. É esse tipo de ideia que eu queria ver mais na série.


O próprio crossover que acontece no episódio final, em que vários personagens que acompanhamos durante a temporada são reunidos para lutar contra o Ultron Infinito, sofre disso. Os Guardiões do Multiverso, como são chamados os personagens, não têm quase nenhuma troca interessante, nenhuma conversa legal, que mostre por que eles estão ali. Eles foram reunidos como time para que, mesmo? Só pra ter um fanservice legal no último episódio? A ideia de trazê-los juntos é boa, mas fica vazia porque não vemos nenhuma dinâmica que chame atenção, eles parecem robôs conversando uns com os outros em vez de personagens com personalidades boas que tirem algo um do outro em suas interações. Os roteiristas não pararam para pensar como seria interessante ver a relação do T’Challa Senhor das Estrelas com o Killmonger Pantera Negra, por exemplo, como esses personagens de universos diferentes se comportariam quando colocados frente a frente. Eles só estão ali e não agregam nada.


E, como eu falei, isso faz com que a série fique vazia, mas não só por isso, existe um outro problema. São oito realidades paralelas, mais o crossover do episódio final. E todos os nove episódios têm cerca de meia hora de duração. Considerando que muitos são versões alternativas de filmes de duas horas ou mais, é um tempo muito curto para contar essas histórias. E daí vem o último problema.

O interesse.


A série não sabe o quanto ela quer que o público invista nesses cenários que está acompanhando. Afinal, precisamos nos importar com aquilo a que estamos assistindo, certo? Precisamos querer que a Hope e o Peter derrotem os zumbis, que a Jane consiga salvar o Thor da Carol, certo? Mas ao mesmo tempo, não podemos nos importar com essas versões dos personagens tanto quanto nos importamos com suas versões originais, certo? É só um cenário alternativo.


Então, fica num meio termo que não se estabelece bem, e no final eu não me importo nem um pouco com essas versões. Os episódios passam tão rápido, são tão curtos, que nem dá tempo de criar uma relação com esse mundo. Além disso, vários episódios acabam em momentos completamente aleatórios, praticamente no meio da história, bem antes da conclusão real do enredo (conclusão essa que nunca chegamos a ver). Esses finais ajudam a diminuir o interesse também, já que a própria série não parece se importar com a história que conta, se nem vai mostrar o final dela.

Também é importante de se destacar o tom dos episódios. Sabemos que a Marvel é conhecida por colocar piadas sarcásticas a todo momento, interrompendo momentos dramáticos para fazer gracinha. Um episódio de What If...? em especial pareceu reunir todas as piadas de um filme de duas horas em apenas meia hora de história: o episódio 5, dos zumbis.


Os personagens estavam vivendo um apocalipse zumbi, em que eram um dos únicos grupos não infectados no planeta, com todos aqueles que conheciam tendo virado monstros, e ninguém parecia se importar. Todos ficavam fazendo piada o tempo todo. Até quando um do grupo era infectado, no momento seguinte, alguém fazia graça.


Sharon Carter estava com o grupo durante a história, até que é infectada também. Para salvar os outros, Hope diminui de tamanho e entra nela, até crescer de novo e explodi-la. Sua amiga acabou de morrer e ela vem fazer referência engraçada: “Eu estou coberta de Sharon!”, e a Okoye ajuda, oferecendo um álcool em gel. Essas piadas fora de hora davam a impressão de que nada de sério estava acontecendo, que não precisávamos nos importar com nada, mesmo com literalmente todo mundo morrendo o tempo todo!

Assim, de maneira geral, What If...? pode até ser divertida de assistir (menos o episódio do Doutor Estranho, desculpa se foi o mais querido do público, mas foi o que eu menos gostei, de longe), mas não traz uma história interessante apesar do potencial enorme que tinha. Poucas perguntas realmente mereciam uma resposta, e mesmo aquelas respostas que queríamos não dizem nada de interessante. E a própria série não parece querer que nos interessemos por essas respostas, então fica difícil mesmo se importar.


Espero que a segunda temporada tenha aprendido a lição da primeira e que tenhamos perguntas que façam mais sentido, respostas que respondam algo, e um tempo de história que permita com que nos importemos da maneira que deveríamos.

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