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Por que o Cebolinha precisava ser o protagonista de Turma da Mônica: Laços

  • Foto do escritor: Marcelo Pedrozo
    Marcelo Pedrozo
  • 22 de jan. de 2021
  • 9 min de leitura

Atualizado: 24 de mar. de 2021

Uma análise do arco do Cebolinha no filme Turma da Mônica: Laços (2019).

Nesse texto eu vou falar sobre o meu filme preferido, Turma da Mônica: Laços (pelo menos até Lições chegar). A primeira adaptação em live-action da Turma da Mônica (sem contar as com bonecos), lançada em 2019 e baseada na primeira das três Graphics MSP da Turma da Mônica de Vitor e Lu Cafaggi.


Vou dizer, quando foi anunciado o projeto, na CCXP de 2015, eu rejeitei a ideia imediatamente. A Turma da Mônica tinha passado 56 anos sem sair do aspecto cartunesco/animação, e eu achei que um live-action não faria sentido nesse universo. Mas obviamente eu estava errado, e faz sentido, porque o negócio da Turma da Mônica sempre foi se reinventar. Ou até hoje teríamos apenas tirinhas de jornal com o Bidu de protagonista, e a Mônica seria só uma secundária aleatória.


Então o filme lançou, e eu fiquei com uma pulga atrás da orelha assistindo. Eu adorei o filme, óbvio, mas tinha algo ali que eu achei estranho. A quantidade de cenas do Cebolinha. O filme começa e termina com ele, a família dele é a que mais tem destaque (principalmente a mãe dele), tem a cena do Louco, e obviamente o cachorro que some é o dele e tem todo um arco emocional nessa parte do filme também.


E demorou até eu aceitar que, no debate Turma da Mônica vs Turma do Cebolinha, no caso desse filme, quem está certo é o Cebolinha. Ele é o protagonista de Turma da Mônica: Laços, e eu falo aqui especificamente do filme, porque mesmo que ele tecnicamente se encaixe nesse papel na Graphic, não é tanto quanto aqui. Fora uns flashbacks emocionais sobre como ele ganhou o Floquinho e o óbvio fato de que o cachorro que some é dele, não há uma direção específica para ele na história na Graphic. Já no filme, ele é 100% o protagonista e não há como dizer que não.


E isso é brilhante. Um pessoal pode ter ficado incomodado – como eu fiquei, de primeira – porque o primeiro live-action da Turma da Mônica... não foca na Mônica. Mas faz todo o sentido, e foi uma das melhores decisões que poderiam ter sido tomadas. E eu vou explicar por quê.

1. O cachorro tinha que ser o dele.


Obviamente, o sumiço de seu cachorro ser o enredo principal do filme é um fator que conta muito para o Cebolinha. Mas como vou mostrar depois, não é o único. Até porque esse não é o arco emocional principal do filme, e sim um arco secundário. Mas de qualquer maneira, é um arco secundário importante e que inclui apenas o Cebolinha (e o Floquinho). Mônica, Magali e Cascão não estão aqui, é um arco puramente sobre o amor entre um cachorro e seu dono.


E isso é simbólico demais. Porque exatamente 60 anos antes do lançamento desse filme, ocorria a estreia nos gibis dos primeiros personagens da Turma da Mônica: Bidu e Franjinha, cuja relação era o foco inicial das histórias, tendo sido baseada na relação do próprio Mauricio de Sousa com seu cachorro de infância, o Cuíca. Ou seja, o ponto de partida da Turma da Mônica é a relação de um garoto com seu cão. Então é perfeito que o primeiro live-action da turma tenha um arco importante sobre isso.


E sim, eu acho que tematicamente seria muito bom se fosse o Bidu o cachorro perdido em vez do Floquinho, até porque ele é muito mais importante para a Turma da Mônica no geral, é um símbolo, até por ter sido o primeiro personagem. Mas aí o Franjinha teria que participar da história, e nenhum dos quatro protagonistas teria esse lado emocional na busca pelo cachorro. Poderia ter sido o Monicão, pra dar o foco pra Mônica, mas o Floquinho é bem mais reconhecível que ele, então era a melhor opção que os Cafaggi tinham pra contar a história na Graphic, e aí essa escolha foi mantida no filme.

2. É extremamente simbólico para a dinâmica Cebolinha x Mônica.


Já que eu falei da Turma da Mônica dos anos 50 e 60 e a relação entre essa época e o filme, vou falar mais um pouco. Porque Bidu e Franjinha não duraram muito tempo como os protagonistas da turma. Cebolinha surgiu em 1960 (no dia do meu aniversário, inclusive) como um secundário do núcleo do menino e seu cachorro, mas logo ganhou sua própria tirinha ao lado deles, se tornando o chefe da casa.


Até 1963, quando surgiria a Mônica. Uma das primeiras personagens femininas do universo, baseada em uma das filhas do próprio Mauricio. Ela logo ganharia mais popularidade que Cebolinha, e quando a turma ganhou gibis, foi ela a escolhida para ganhar o primeiro, em 1970. Cebolinha só foi ganhar o seu três anos depois. Estava marcado, então, o início do domínio da turma por parte da Mônica.


Mas o Cebolinha nunca se conformou por ter perdido seu espaço para ela. Ela virou a protagonista, virou a dona da rua, e é um cargo que ele tenta pegar de volta desde então, com seus planos infalíveis. O desejo de Cebolinha de derrotar a Mônica é justamente por causa disso, porque ela roubou o cargo de protagonista dele, e ele quer de volta.


Então o quão simbólico é que o primeiro filme seja focado no Cebolinha, mas levando o nome da Mônica? Ela ganha o destaque mesmo tecnicamente a história sendo dele. Só adiciona para a ironia que é o fato de ele não ser mais o protagonista. Ele pode ser mais importante, mas o destaque aqui vai todo pra ela.


Além de ser uma representação do que aconteceu há quase 60 anos, porque o Cebolinha pode ser o personagem principal do primeiro filme, mas a continuação de Laços, Lições, é uma história com um foco maior na Mônica. Cebolinha, Cascão e Magali todos têm seu sub enredo, mas é a Mônica que enfrenta os maiores desafios. Então a história que aconteceu nos quadrinhos deve se repetir no cinema: o Cebolinha começou tendo mais destaque só pra Mônica roubar o protagonismo. É genial isso, de verdade.

3. O arco principal do filme tinha que ser dele.


Pois bem, lá em cima eu mencionei que o arco secundário do filme, sobre a relação cachorro e dono, era 100% dele. Mas por que esse não é o arco principal? Porque por mais que o enredo do filme seja “resgatar o Floquinho”, isso é só uma desculpa pra trazer o que importa de verdade: o tema real do filme, a amizade.


Sim, está até no nome, Laços. Esse é um filme primariamente sobre amizade, sobre o laço de amizade desses quatro amigos que são amigos desde que foram criados nos anos 60, e que continuam sendo amigos desde então. É um filme que tem um enredo secundário sobre a relação cachorro-dono, mas que fala antes de tudo sobre amizade.


E esse arco não tinha como pertencer a outro personagem.


Porque sim, todos os quatro têm seus pequenos desenvolvimentos no filme, em que eles têm que desistir de algumas coisas para que o plano dê certo. Cascão precisa passar por água, Magali resistir à tentação de comer a melancia, Mônica dar o Sansão para o Cebolinha. Todos os três têm esses momentos, que são importantes mas no fim do dia são desenvolvimentos secundários. Fazem parte do arco principal sobre amizade, mas não são a parte mais importante dele.

A parte mais importante vem com o Cebolinha. Porque ao contrário de seus três amigos, Cebolinha não precisa simplesmente colocar a amizade acima de suas características pessoais (medo de água, fome e amor ao Sansão). Não é bem esse o momento dele. O arco que ele passa é sobre aprender o valor da amizade em si.


Mônica, Cascão e Magali sempre souberam o valor da amizade, e só precisaram escolher colocá-la acima de seus medos e vontades. Mas o Cebolinha não, ele nunca soube dar valor a seus amigos, desde o começo do filme. Ele não chega e “ah, eu tenho que me controlar, preciso seguir com o plano”, não é sobre isso.


É sobre entender que ele só conseguiria resgatar o Floquinho através da amizade. Ele não tinha certeza disso antes, ele até chama os três pra ajudar mas fica tentando dar ordens o tempo inteiro e não entendia o valor que era eles estarem ali. Mas chega no final e ele percebe o quanto isso é importante.


Está tudo na cena do Louco, na verdade. Que eu sempre fico irritado quando vejo alguém falar que foi uma cena inútil. Não, ela é o set up principal pra conclusão do arco do Cebolinha no filme. O Louco literalmente fala o tema em alto e bom som: “Juntos vocês podem vencer qualquer desafio. Separados, não é loucura imaginar o pior”. É essa a mensagem que Laços quer passar. E o filme passa ela através do Cebolinha. Mônica, Cascão e Magali têm desenvolvimentos relacionados a esse tema, mas é com Cebolinha que essa mensagem de verdade é desenvolvida.

E isso é muito perceptível, o quanto o arco do Cebolinha no filme importa mais do que o arco de Mônica, Cascão e Magali. Os arcos na verdade, porque o Cebolinha além do arco amizade tem o arco cachorro-dono. Pois bem, Mônica, Cascão e Magali ganham uma ou duas cenas cada que mostram sua fraqueza. Mônica não querendo usar o Sansão pra distrair o cachorro quando eles chegam na casa do Homem do Saco, Cascão não querendo atravessar o laguinho, Magali comendo toda a comida que eles trouxeram e quebrando a bússola porque confundiu com um biscoito.


São cenas simples, que são importantes porque elas mostram exatamente onde os personagens precisavam evoluir. E assim no final, é interessante ver o quão longe eles chegaram. Mônica empresta o Sansão pro Cebolinha, Cascão passa pela água (de capa de chuva, mas ainda assim), Magali enfrenta a tentação e não come a melancia, seguindo o plano. E todos esses são bons desenvolvimentos.


Mas são desenvolvimentos simples, porque era isso o que eles precisavam ser mesmo. Porque nenhum dos três é o protagonista do filme. Então eles só precisam de uma ou duas cenas de set up para a conclusão depois. Mas o Cebolinha não, o Cebolinha não tem uma só cena de set up. Ele tem várias.


Desde o começo do filme, em que Cascão está cansado de fazer planos infalíveis, mas o Cebolinha não se importa. Desde a Dona Cebola explicando que ele devia brincar um pouco do que o Cascão quer. Desde as inúmeras cenas em que Cebolinha ignora as ideias dos amigos porque ele é o único que sabe bolar planos direito. Desde a cena da encruzilhada, em que ele não aceita que a Mônica pode estar certa sobre o caminho. Até, claro, a cena do Louco. Em que ele fala em alto e bom som o que o Cebolinha precisa aprender.

E aí, no ponto chave do filme, quando o plano que o Cebolinha fez sozinho dá errado e Mônica, Cascão e Magali são presos pelo Homem do Saco, é aí que ocorre a conclusão desse arco. Cebolinha acha em seu bolso o laço que o Louco lhe deu na hora em que ele disse o tema do filme, e que desde o início representa a amizade dos quatro. E pra deixar ainda mais claro que é dessa cena que ele está lembrando, ainda aparecem os vagalumes do Louco junto.


Cebolinha percebe o que precisa fazer e, no processo, cresce como pessoa: “Juntos vocês podem vencer qualquer desafio. Separados, não é loucura imaginar o pior”. E aí ele decide ouvir as ideias de Mônica, Cascão e Magali. E os quatro bolam um plano juntos. É por isso que a conclusão do arco do Cebolinha é a mais satisfatória de todas, porque o filme inteiro é cheio de set up pra isso. Porque novamente, ele é o protagonista.


Mesmo assim alguém ainda pode aparecer incomodado que eles tenham dado esse arco pra ele, até porque ele já tinha o do cachorro que daria algum destaque maior. Por que não deram pra Mônica, por exemplo, pra ela aprender sobre o valor da amizade?


Porque não faria sentido. A Mônica sempre soube o valor da amizade, o Cebolinha é que não. Desde os quadrinhos, o personagem com os maiores defeitos é o Cebolinha. É ele que não para de encher o saco da Mônica e manipula os amigos pra conseguir vencê-la. É ele o personagem ganancioso que atrai o fantasma mais perigoso em uma das sagas mais marcantes da Turma da Mônica Jovem, Umbra. E falando de Turma da Mônica Jovem, é o Cebola o único a ter todo um arco de redenção ali. Porque é ele quem tem os maiores defeitos.


Então precisava ser sobre ele o arco do valor da amizade, porque não faz sentido ensinar pra Mônica, Cascão e Magali uma coisa que eles já sabem. É o Cebolinha que tem que aprender sobre isso, só faz sentido ser com ele. Seria ilógico se fosse com a Mônica.

Até porque, desde os gibis ele é, de certa forma, o “protagonista lógico”, digamos assim. No sentido de que é ele quem tem um objetivo a cumprir, quem tem metas, é ele que conduz a história. A Mônica é uma força reativa, ela age em combate aos planos do Cebolinha. Então não, não faria sentido ser outro personagem pra esse arco.


E agora eu trago a questão, se realmente quisessem dar algum destaque pra Mônica dava pra trocar o Floquinho pelo Monicão. O Cebolinha ainda seria o destaque do arco amizade, mas a Mônica além de participar desse, ainda teria o arco secundário cachorro-dono, então os dois teriam mais ou menos o mesmo destaque.


Mas como eu já expliquei lá em cima, o Floquinho é muito mais reconhecível que o Monicão, e não por coincidência, afinal ele estreou lá nos anos 60 enquanto o Monicão só veio nos anos 90. Então ter o Floquinho é a melhor opção, mas isso obviamente joga o filme inteiro nas costas do Cebolinha.


E isso não é algo ruim. Porque como eu falei, ele é o personagem com mais defeitos, e portanto o mais interessante, o que tem mais potencial para explorar, e eles exploraram brilhantemente em Laços. Em Lições deve ser a vez da Mônica (de todos, na verdade, porque todos têm destaque, mas é a Mônica que tem as maiores mudanças). Quero ver se vão usar ela mesmo como a protagonista do segundo filme, se vão dar o maior arco pra ela ou se vai ter alguma mudança. De qualquer maneira, eu só quero que esse segundo filme estreie logo porque Lições é a minha Graphic MSP preferida, então se Laços já foi tão bom, eu tenho expectativas ainda mais altas para Lições. Que chegue logo.

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