Thor: Ragnarok não corrige os erros dos primeiros filmes, ele os ignora
- Marcelo Pedrozo
- 12 de fev. de 2021
- 11 min de leitura
Atualizado: 24 de mar. de 2021
Uma crítica a como Thor: Ragnarok ignora os dois primeiros filmes da franquia na tentativa de se distanciar dos erros deles.

Uma das minhas maiores surpresas com qualquer franquia de entretenimento foi em 2019, durante a San Diego Comic Con, mais especificamente durante o painel da Marvel Studios, em que foram anunciados alguns projetos da Fase 4 do Marvel Cinematic Universe.
E é incrível aliás, porque foram dez os projetos anunciados (cinco filmes e cinco séries), e todos já haviam sido anunciados antes. Já sabíamos que teria Thor 4, WandaVision, Loki, tudo isso. Mas mesmo assim, a apresentação conseguiu surpreender, e não só por revelar os subtítulos de alguns lançamentos, como Love and Thunder ou Multiverse of Madness. Mas principalmente, pelas participações especiais anunciadas para cada filme.
O MCU sempre se construiu a partir do fato de que ele é um universo compartilhado, então vão existir crossovers, mas no começo eles eram mais restritos à franquia Avengers, e o resto eram filmes solo que, claro, existiam no mesmo universo e faziam referências, mas que no geral funcionavam como filmes à parte. Mas mais recentemente, mais ou menos na época de Captain America: Civil War, as coisas mudaram um pouco.
Porque teoricamente, Civil War é o terceiro filme do Capitão América, mas ele além de trazer o Tony Stark num papel principal junto com Steve Rogers, ainda traz a maioria dos Vingadores pra participar do filme, mesmo Steve sendo o protagonista. E se você não tinha visto The Avengers e Avengers: Age of Ultron, problema seu, você teria que lutar pra entender quem são Tony, Clint, Wanda, Vision, Rhodey, todo esse pessoal aí.

Então mais ou menos nessa época começaram crossovers importantes dentro dos próprios filmes solo, e aqui eu destaco a participação do Hulk no filme que é o tema principal desse texto, Thor: Ragnarok. O Hulk não tinha participado dos filmes anteriores do Thor, então se você não assistiu aos filmes dos Vingadores você não sabe muito bem quem ele é e por que o Thor o conhece.
E nos projetos da Fase 4 isso se amplificou ainda mais, e eu destaco aqui a participação da Wanda em Doctor Strange in the Multiverse of Madness, anunciada na SDCC em 2019. Foi esse tipo de anúncio, além dos subtítulos dos filmes, que sustentou a apresentação, porque sobre os projetos em si todo mundo já sabia.
Então a gente teve anunciadas a participação da Wanda em Multiverse of Madness, a participação do vilão Mandarin em Shang-Chi, da Monica Rambeau em WandaVision, entre várias outras. E em especial, teve a volta da Jane Foster em Thor: Love and Thunder. Que não é bem um crossover porque ela só participou dos filmes do Thor, mas é uma participação surpresa porque ela não estava em Ragnarok.
E não só não estava em Ragnarok como foi quase 100% ignorada no filme. Mas eu já chego lá.
Enfim, foi nessa apresentação que eu percebi que, por mais que os filmes da Marvel só existam devido aos executivos que querem tirar o maior lucro possível dos fãs de super-herói fazendo blockbusters caros e construídos através de fórmulas, tem gente lá dentro, da parte criativa, que se importa com a história.

E isso foi uma surpresa, em parte porque minhas experiências como fã de outras obras pareciam dizer o contrário, que ninguém se importava com a história em si. Vou dar um exemplo rápido aqui, que é Once Upon a Time. Toda metade de temporada era um arco diferente, com um vilão diferente e uma mitologia diferente explorada. E até aí tudo bem, mas os personagens pareciam esquecer completamente o arco anterior quando iam pro seguinte.
Na primeira metade da 4ª temporada, eles exploraram os personagens de Frozen, mas daí eles foram embora no episódio 11 e só foram mencionados uma vez no resto da série inteira, mesmo a relação da Emma com seus poderes tendo mudado completamente por causa da chegada da Elsa.
E não só isso, pontas soltas dos arcos anteriores quase nunca eram resolvidas. Na terceira temporada, após ter seu coração partido por Aurora, Mulan se juntou ao grupo do Robin Hood. E aí na segunda metade da temporada, Robin se tornou parte essencial do enredo, e seus homens também, mas cadê a Mulan? Nem foi mencionada, não explicaram se ela foi embora, não falaram nada.
E aí a Mulan volta na quinta temporada, funcionando meio que como uma agiota dos contos de fada, traumatizada por ter o coração partido pela Aurora. Mas em nenhum momento é explicado como ela foi do grupo do Robin Hood pra isso. Não é explicado, e a série não pareceu se importar em deixar essa ponta solta. E seria fácil explicar, era só colocar uma linha de diálogo ali, mas a série não se importou.

Então por causa dessa experiência passada, eu me surpreendi que o MCU parecia ter gente genuinamente se importando com a história que estava sendo contada, trazendo o verdadeiro Mandarin de volta depois de ter deixado essa ponta solta anos atrás, lá em 2013, e agora daqui a seis meses vai sair um filme com ele como vilão principal. E eu me surpreendi demais com isso, e pior que eu nem deveria, porque foi uma ponta solta que devia ser resolvida, mas eu não achei que isso fosse acontecer.
Mas não só porque Once Upon a Time e outras franquias não pareciam se importar com os arcos passados. Mas porque o próprio MCU me deu razão pra achar que não se importava também. E é aqui que chegamos ao tema principal do texto. Thor: Ragnarok.
Os dois primeiros filmes do Thor, Thor e Thor: The Dark World, foram lançados em 2011 e 2013 respectivamente, e enquanto o primeiro filme foi razoavelmente bem recebido, o segundo é tido como um dos piores do MCU. E ainda tem várias polêmicas de bastidores envolvendo troca de diretor e insatisfação dos atores principais em The Dark World, o que não exatamente ajudou.
E não só com os filmes solo, mas existem relatos que o Chris Hemsworth, que interpreta o Thor, estava insatisfeito tanto com o segundo filme quanto com sua participação em Avengers: Age of Ultron, em que o personagem foi deixado de lado por boa parte da história. Dizia-se então que ele estava só esperando o contrato acabar pra poder sair do MCU.
Mas agora, ele é o único dos três principais da primeira saga da Marvel a ter um quarto filme solo, e não existem rumores sobre ele sair do MCU em um futuro próximo. E isso se deve a Ragnarok.

O terceiro filme sabia muito bem que a franquia precisava se reinventar, porque os dois primeiros filmes não exatamente estavam entre os favoritos do público. (Mesmo o primeiro não tendo sido mal recebido, ainda estava longe de ser considerado um dos melhores.) E isso é bem claro no filme, existe uma alteração de tom claríssima e é até estranho dizer que Ragnarok faz parte da mesma franquia que os dois primeiros.
Porque Thor e The Dark World são filmes mais sérios, que obviamente têm seus momentos de comédia (especialmente o segundo), mas que ainda se levam a sério demais, e mais especificamente, levam o Thor a sério demais. Eles focam em um drama familiar bem shakesperiano, especialmente no primeiro longa, e não só isso, como focam no romance de Thor com Jane Foster, um romance que não foi tão bem recebido pelo público.
Eu particularmente gosto bastante dos dois como casal no primeiro filme, mas eles ficaram juntos só por dois dias e em The Dark World já eram o casal mais importante de todos, acho que exageraram aí. Mas no primeiro eu acho legal. Mas enfim.
Além disso, o núcleo dos personagens da Terra, composto por Jane, Erik Selvig e Darcy Lewis, não era tão amado assim, e críticas comuns aos primeiros longas são que eles passaram tempo demais na Terra quando deviam focar mais no aspecto de fantasia de Asgard. E é uma crítica válida, todas elas são na verdade, mesmo eu não concordando com todas.
E é óbvio que Thor: Ragnarok ouviu a essas críticas, porque ele tenta consertar todas elas. Os primeiros filmes foram sérios demais? Ok, agora vamos fazer uma comédia pura aqui. O Thor se levava a sério demais? Ok, agora ele é um dos personagens mais engraçados que temos. O romance de Thor e Jane não foi bem recebido? Ok, vamos acabar com isso. Reclamavam do foco excessivo na Terra? Ok, vamos passar só cinco minutos do filme lá.

Então se você for olhar, Ragnarok deu tudo o que os fãs pediram, então eles deviam ficar satisfeitos. E ficaram, esse filme foi muito bem recebido, e está no top 3 de muita gente. Também foi ele que fez Chris Hemsworth querer continuar no papel, e se não fosse por isso com certeza não teríamos Thor: Love and Thunder saindo no ano que vem.
E assim. Eu acho legal que eles tenham tentado se reinventar, que tenham tentado corrigir o que deu errado antes, o que os fãs não gostaram, e tentar fazer algo diferente. Isso é algo justo, necessário até. A franquia precisava de novos ares e tudo mais. Mas corrigir os erros anteriores é diferente de ignorar tudo o que veio antes. E isso é, essencialmente, o que Ragnarok faz.
Porque sim, o romance do Thor e da Jane foi mal recebido, e mesmo eu gostando deles no primeiro filme não é a opinião da maioria. Então faz sentido quererem terminar essa história, vamos tentar agradar o pessoal. Até aí tudo bem. Mas querer terminar um romance e quase que completamente ignorar que ele existiu são coisas completamente diferentes.
Porque querendo ou não, Thor e Thor: The Dark World focaram durante o filme inteiro no romance de Thor e Jane. É um fato, é uma das relações mais importantes desses filmes, se não for a mais importante. E não funcionou, ok, vamos mudar, mas Ragnarok literalmente faz UMA menção a Jane. É literalmente uma fã do Thor pedindo pra tirar foto com ele, e dizendo que sente muito que a Jane dispensou ele. E aí o Thor, em uma cena cômica, porque o Thor é engraçado agora, diz que não foi assim, foi ele quem dispensou ela, foi um término mútuo.
E essa é a única menção da Jane no filme inteiro.

Um relacionamento que foi parte essencial dos filmes anteriores, que foi construído durante dois longas inteiros e que pode não ter sido bem construído, mas ainda foi parte essencial deles e isso não se pode negar. Bom, Ragnarok nega. É sério, é bizarro isso.
Vou pegar Civil War como um exemplo. O namoro de Tony Stark e Pepper foi desenvolvido em todos os três filmes do Iron Man, mas pra esse eles precisavam que os dois tivessem terminado. E Pepper nem aparece aqui, mas mesmo assim eles conseguiram lidar bem com isso.
Temos Tony chateado ao ler o nome da Pepper em uma apresentação da Stark Industries, e temos Tony contando para Steve que eles terminaram porque ele nunca conseguiu parar de ser um super-herói e acabou não dando certo. E lembrando que esse nem é um filme dele, é uma participação no filme do Capitão América. Mas mesmo assim, e mesmo que Pepper não apareça no filme, o término ainda é importante, é parte de por que o Tony está tão “quebrado” aqui, ajuda a construir esse ponto baixo do personagem.
Já Thor: Ragnarok? Jane é mencionada uma vez, em uma piada. Um romance que foi construído em dois filmes, seu término foi mencionado através de nada mais nada menos que uma piada. E uma piada descartável. O término não tem impacto nenhum no filme, e isso é... ruim. Desculpa, mas isso é ruim demais. Porque sim, eu entendo que queiram tirar a Jane da história porque não funcionou antes. Mas então que deem uma saída melhor pra ela.

E eles tinham o contexto perfeito pra fazer isso, porque o Thor passa o filme quebrado assim como o Tony em Civil War, o pai dele morre, o martelo dele é quebrado, os melhores amigos dele morrem (mais sobre isso daqui a pouco), o planeta dele é destruído... O término com a Jane podia ser mais uma dessas tragédias, ele podia ter uma ou duas cenas olhando uma foto dela e ficando triste. Só isso já bastava pra que não jogassem fora com uma piada o que foi construído durante dois filmes inteiros.
E o elenco da Terra, além da Jane, nem é mencionado, Darcy e Selvig aparentemente nunca existiram. E não só eles, Sif, amiga do Thor de Asgard, também não é mencionada. Ela teria aparecido no filme mas a atriz não pôde gravar, e que bom que não pôde porque senão ela provavelmente teria sido morta juntamente com o resto do núcleo do Thor em Asgard.
Não que os Warriors Three, Volstagg, Fandral e Hogun tenham tido muito destaque nos filmes anteriores. Mas Volstagg e Fandral foram mortos quase sem ter a chance de ter falas, e Thor aparentemente nem descobriu que eles morreram. Outra tragédia que seria interessante pra adicionar, mas que é ignorada. Porque por mais que eles não tenham sido importantes para os filmes, eles eram importantes para o Thor e isso era claro, e podiam só mencioná-los. Eu entendo que eles nunca foram bem desenvolvidos, e que o filme queria se livrar deles, mas podiam ter feito algo só um pouco mais trabalhado.
E não são só os personagens dos primeiros filmes que foram jogados de lado sem a menor cerimônia em Ragnarok, mas os enredos que eles deixaram também.
É sério, o primeiro ato do filme é claramente uma checklist de coisas que precisavam resolver antes de chegar pra história que realmente queriam contar. Thor explicando que não encontrou nenhuma das Joias do Infinito que estava procurando, enfrentando a ameaça do Ragnarok, depois descobrindo em cinco minutos que Loki estava vivo e disfarçado de Odin (que aliás, foi o cliffhanger de The Dark World, e aqui resolvido sem a menor cerimônia), os dois indo para a Terra, a menção do término com a Jane, a participação aleatória do Doctor Strange, a morte do Odin, tudo isso acontece em uns quinze minutos e é só aí que a história do filme começa.

E é de um jeito bem mal introduzido, porque tá lá o Odin morrendo por... razões... e do nada ele chega com “ah, antes de eu morrer, quase esqueci, tenho que introduzir a vilã do filme, vocês têm uma irmã e ela vai ser solta quando eu morrer e vai tentar conquistar Asgard, eu sei que nunca teve nenhuma indicação disso mas esse é o enredo agora, valeu falou”.
Eu sei que é bem lógico que os criadores não tinham a menor intenção de seguir com os enredos deixados para trás pelos filmes anteriores, como o Loki interpretando o Odin, e tudo bem, mas esse começo foi tão apressado e tão claramente um checklist de coisas pra resolver antes de chegar na história real do filme, que já me desapontou desde o começo.
E vejam bem, antes que me xinguem por não gostar do filme, não é que eu não goste. Eu acho Ragnarok muito divertido, mesmo algumas piadas sendo forçadas demais e estragando certos momentos dramáticos. Mas ainda assim é um filme engraçado, é legal de se assistir e tudo o mais. Mas ele tem vários defeitos também, e um deles é não dar a mínima para os filmes anteriores, eles estavam focados demais em se reinventar que acabaram quase que ignorando o que Thor e The Dark World construíram.
Porque em vez de ignorar o que veio antes, o filme deveria ter consertado. Poderia por exemplo, ter feito os três guerreiros personagens bem desenvolvidos, em vez de tê-los matado sem cerimônia, ou pelo menos dado uma cena de morte menos jogada. Podia ter colocado o término de Jane com Thor em maior evidência, podia ter dado mais importância para a trama do Loki se passar por Odin. Teria feito um filme menos desconexo dos anteriores, que não os ignorasse mas sim os melhorasse.
Inclusive, Ragnarok obviamente se inspirou em Guardians of the Galaxy pra construir a trama espacial e o foco na comédia, mas também não parece tonalmente com esses filmes. Porque em Guardians, os momentos emocionais são respeitados, e em Ragnarok elementos importantíssimos para a história, como a destruição de Asgard e o término de Thor e Jane são tratados como puras piadas.

E voltemos então ao começo do texto. A apresentação da Marvel Studios na SDCC 2019. Como eu falei, a gente já sabia sobre todos os projetos, entre eles o quarto filme do Thor. E eu não fiquei muito animado, porque eu sabia que seria uma sequência direta de Ragnarok e achei que seria outro filme mais ou menos que todo mundo acharia bom só porque era engraçado e porque ignorou os dois primeiros.
Mas aí algo mudou, e após a apresentação na SDCC, Thor: Love and Thunder se tornou meu segundo filme mais aguardado dos próximos da Marvel (só atrás de Doctor Strange in the Multiverse of Madness, por causa da Wanda mesmo), quando foi anunciado o retorno de Natalie Portman como Jane Foster.
Aliás, eu não fiquei só empolgado para o filme, como surpreso. Porque como eu falei no começo do texto, eu não sabia que existia esse tipo de amor pela história contada, que iam trazer de volta pontas soltas do passado, que personagens seriam explorados ao máximo assim. E isso não só por causa de experiência com outras histórias, como Once Upon a Time, mas também por causa de experiência com a própria Marvel, mais especificamente com Thor: Ragnarok. Que ignorou completamente os dois primeiros filmes.
Então o retorno da Jane Foster me faz acreditar que Love and Thunder vai fazer o que Ragnarok devia ter feito desde o começo: não ignorar os dois primeiros filmes, mas sim melhorar os elementos deles. Se Jane foi mal aproveitada lá, vamos fazê-la uma boa personagem aqui, e não ignorar a existência dela. E é por isso que eu estou muito ansioso, porque pelo que saiu até agora, é isso que vão fazer. Então que venha Love and Thunder.
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