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Frozen II é como um sonho (mas não no bom sentido)

  • Foto do escritor: Marcelo Pedrozo
    Marcelo Pedrozo
  • 4 de mar. de 2022
  • 11 min de leitura

Uma crítica a como Frozen II (2019) chega a um meio termo estranho entre filme de ação e filme "de princesa", que resulta em uma história vaga com vários elementos sem desenvolvimento, apesar de uma premissa promissora.

Sabe quando você sonha com algo que parece extremamente real e verossímil, em uma situação brilhante que, se fosse um filme, você daria nota dez, mas aí você acorda de manhã e percebe que, na verdade, nada do que você sonhou fazia o menor sentido?


E sabe quando você esquece completamente o que sonhou na noite anterior, tendo apenas um flashes rápidos de uma situação mas sem conseguir entender o contexto real do que acontecia?


Existem vezes em que acontecimentos de filmes, livros ou séries de verdade me lembram tanto um sonho por aderirem a esses dois quesitos, em especial o segundo. Sequências com informações tão vagas e repentinas, que eu me pergunto se estou mesmo assistindo a ou lendo aquilo, ou se é apenas mais um sonho. Um exemplo é a cena inicial do décimo episódio da excelente sétima temporada de Once Upon a Time, The Eighth Witch.


Os protagonistas haviam passado os últimos episódios tentando derrotar a vilã Drizella no enredo mostrado nos flashbacks. Essa trama se passava mais ou menos uma década antes do enredo do presente, em que Drizella ainda estava sendo uma ameaça – portanto, era de se imaginar que, em algum momento, ela seria neutralizada para, dez anos depois, retornar e voltar a ameaçar os personagens. E isso acontece nessa cena que eu mencionei.


Primeiro, temos o protagonista Henry mostrando sua filha recém-nascida Lucy para seus amigos – sabíamos que Lucy nasceria em algum momento, mas o último flashback até então havia mostrado seus pais tendo seu primeiro beijo, então já foi algo bem repentino. Depois, Drizella vem até eles para fazer uma ameaça, mas nenhum deles se abala; eles então revelam que prepararam um feitiço de sangue para transformá-la em uma estátua de pedra. Drizella fica surpresa e pergunta como eles fizeram isso, e então, do nada, aparece sua mãe, Lady Tremaine, que revela ter se aliado aos heróis para pará-la (antes, Tremaine era outra ameaça enfrentada por eles). Aí Drizella vira pedra e cortamos para o oitavo aniversário de Lucy, quando a vilã é libertada.

Os cortes na história foram feitos porque esse era o último episódio da primeira metade da temporada, então provavelmente havia o desejo de mostrar o geral da história dos flashbacks para que pudéssemos entender melhor o que acontecia no presente. Assim, o ritmo foi acelerado. Mas, quando cortamos do primeiro beijo de Henry e Ella para sua filha já nascida, da grande ameaça de Drizella para sua derrota ridiculamente fácil, e da guerra de Lady Tremaine contra os heróis para sua aliança com eles, fica tudo artificial. E, enquanto eu assistia à cena pela primeira vez, eu tinha absoluta certeza de que era apenas um sonho de Drizella mostrando seu medo de ser derrotada.


Porque a cena tem uma estrutura semelhante à de uma cena de sonho, em que o personagem passa por uma situação extrema para mostrar seus medos. Aconteceu o mesmo com Regina na primeira temporada, quando ela sonhou que estava sendo derrotada pelos heróis, mesmo eles ainda não estando perto de chegar nisso na história real. E o mesmo acontece aqui, só que, nesse caso, não era um sonho, então a estrutura da cena ficou estranha.


E o mesmo aconteceu com Frozen II. Só que, aqui, não é uma cena específica, é o filme inteiro que me lembrou um sonho – mas não no bom sentido. Quando eu acabei de assistir, minha memória sobre ele parecia estar sumindo, porque tudo sobre ele era vago demais e eu não conseguia me lembrar de nenhum detalhe – mas isso era apenas porque o filme não havia dado nenhum detalhe, apenas apresentado diversos conceitos vagos que não foram explorados, e porque uma história extremamente ambiciosa e fantasiosa havia sido introduzida, mas ela não foi desenvolvida o suficiente.


Mas, antes de falar sobre o filme, eu preciso comentar sobre o primeiro trailer.


Em fevereiro de 2019, saiu esse teaser trailer do filme que surpreendeu a todos na internet. O primeiro Frozen é um filme relativamente simples, com uma história direta explorando a relação dessas duas irmãs, uma com poderes e outra sem. Não existe um grande mistério por trás ou um enredo ambicioso demais, e isso não é um demérito. Frozen é um filme que cumpre o que propõe e isso gerou frutos enormes, causando um fenômeno cultural irreplicável.


Então é por isso que o trailer do segundo filme causou tanta surpresa. A primeira tomada é literalmente essa:

Depois de um filme simples que teve seu sucesso fundamentado nessas duas princesas que faturaram milhões com a venda de bonecas para meninas pequenas, o segundo filme prometia ser completamente diferente. A primeira metade do trailer é literalmente Elsa em um cenário totalmente escuro, em uma cena de ação, utilizando seus poderes contra um mar violento, tudo acompanhado por uma música épica que em nada lembra o primeiro longa.


E o trailer segue com cenas de ação, com Anna pulando em pedras em uma caverna escura, Elsa usando seus poderes para proteger Olaf de um fogo roxo, Elsa, Anna e Kristoff andando em uma floresta escura até que Anna percebe que há algo atrás deles, pega uma espada e ataca a câmera...


Foi um choque imenso no dia em que o trailer foi lançado. A própria Kristen Bell, que faz a voz da Anna, disse, quando viu o teaser: “Isso parece que devia ser para maiores ou algo assim”. E a internet inteira estava fazendo memes de que a Elsa se juntaria aos Vingadores, porque o trailer realmente vendia um filme de ação, de alta fantasia, menos infantil e parecendo um enredo de super-herói.


O segundo trailer, lançado em junho, fez a mesma coisa. Uma versão estendida da cena de Elsa no mar foi mostrada, com ela encontrando uma criatura feita de água e quase se afogando. Mais cenas de ação seguiram, com os personagens em perseguições e em cenas de perigo mágico, tudo em meio a uma música épica e a uma fala do personagem Grand Pabbie: “Elsa, o passado não é o que parece. Você precisa encontrar a verdade. Vá para o Norte, para as Terras Encantadas, e para o desconhecido. Mas tenha cuidado. Nós sempre tememos que os poderes de Elsa fossem demais para este mundo. Agora, precisamos torcer para que eles sejam o suficiente”.


O filme estava 100% se vendendo como um filme de ação, de alta fantasia, que iria além do que o primeiro longa havia feito e traria uma história com um tom extremamente diferente. Não quero dizer “mais adulto”... Mas é uma transição que faz sentido considerando que o público de Frozen havia crescido nos seis anos entre os dois filmes. O que é apontado pelo próprio filme.

“E todos vocês parecem um pouco mais velhos.”


Mas a verdade é que Frozen II não é nada disso. O longa-metragem traz todas essas ideias complexas, como um rio que guarda memórias, cinco espíritos da natureza que têm relação com uma sociedade que vive na Floresta Encantada, uma voz misteriosa que chama Elsa e uma guerra colonial que revela que o avô de Elsa e Anna era uma pessoa terrível. Mas nenhuma dessas ideias ganha o desenvolvimento que merece. Nenhuma é explorada o suficiente. E isso faz com que o filme pareça um sonho, porque nada do que ele propõe é explorado, então parece que falta um pedaço, parece que são várias ideias malucas que não têm ligação. Porque nenhuma dessas ideias fantasiosas ganha o desenvolvimento que merece, então, com uma história confusa e vaga, parece um sonho que você esqueceu depois de acordar e só se lembra de algumas partes.


Assim, não é de se espantar que Frozen II seja o primeiro filme da Disney desde Winnie the Pooh (2011) que não foi indicado ao Oscar de Melhor Animação. Lembrando que Frozen foi o primeiro filme da Disney Animation a ganhar esse prêmio em 2014.


Em junho de 2020, saiu um documentário no Disney+ chamado Into the Unknown: Making Frozen II, que, como o próprio nome já diz, mostra a produção do filme, em seu último ano. Esse documentário é bem revelador, e mostra alguns problemas e dificuldades que os diretores e toda a equipe enfrentaram para fazer com que a história funcionasse. E há vários motivos para o longa ter saído do jeito que saiu – não como um filme ruim, mas como um filme que poderia ser muito melhor –, mas o principal deles, sem dúvida, é a tentativa de conciliar o filme complexo de ação que queriam fazer e o filme simples de princesa que precisavam fazer.


Fica claro no documentário que esse problema já existia desde o começo. Depois de uma exibição do filme para a equipe criativa responsável por outros filmes da Disney, Adele Lim, roteirista de Raya and the Last Dragon, disse: “Tudo parecia estar levando a respostas ótimas, fantásticas, interessantes. Eu só queria mais clareza nas respostas”. E é bem esse o problema do filme: ele tenta ser tão ambicioso, mas precisa se simplificar porque é um filme da Disney, então todos os elementos do enredo em si ficam vagos demais. Não têm clareza.


Mas, por mais que esses problemas já existissem um ano antes da estreia, eles podem ter se agravado na metade de 2019, após a exibição do filme para o público teste, composto de famílias com crianças. O feedback maior após essa exibição foi de que as crianças acharam o filme confuso e complexo; assim, a equipe procurou por cenas mais complicadas para simplificá-las, além de adicionar mais cenas de comédia.


Então talvez tenha sido aí que o longa se afastou da história de super-herói que prometia ser. Mas o maior problema foi que ele também não chegou ao outro lado do espectro, a um filme de comédia com um enredo mais simples (porque, afinal, faltavam poucos meses para a estreia, era impossível que ele chegasse lá). Então, ficamos com esse meio termo que não funcionou direito, com todos aqueles elementos complexos que não ganham desenvolvimento.

Claro, já eram problemas que existiam antes – como fica claro pelo feedback de Adele Lim que eu mostrei agora, e por outras partes do documentário, especialmente sobre a produção da música Show Yourself. A canção é o ponto alto do filme, toda a história converge para aquele momento. E, no começo de 2019, a equipe ainda não tinha certeza do que a música deveria ser, tanto que ela quase foi cortada. Eles trabalham em prazos muito curtos, e, por isso, a história desde o começo já estava prejudicada, já desde o início faltava uma visão maior. Então, a falta de desenvolvimento dos elementos do enredo não é culpa apenas do feedback do público, que resultou em um filme menos ambicioso; talvez esse feedback só tenha agravado esse quesito.


De qualquer maneira, revendo o filme para escrever esse texto, ele não é mais tão confuso quanto eu achei da primeira vez a que assisti, quando ele foi lançado. Talvez por eu já saber da história, talvez por ter acabado de assistir à série documental e entender mais dos problemas da produção, ou talvez simplesmente porque minha opinião mudou. Mas eu saí dele com uma visão muito melhor neste ano do que quando vi pela primeira vez em 2020, e eu fico feliz com isso. Mas um problema grande continua existindo, na minha opinião, e ele simboliza muito bem esse meio termo que o filme tentou ser e não conseguiu.


Esse problema é a falta de coragem de manter as consequências da história. Especificamente nas mortes de Elsa e Olaf e na destruição de Arendelle.


Em certo ponto do filme, Elsa chega ao rio congelado Ahtohallan, que “esconde as verdades sobre o passado”. Porém, ela acaba indo fundo demais em sua busca por respostas, e é congelada pelo rio, essencialmente morrendo. (Por quê? Não fica claro.) Assim, ela envia uma mensagem para Anna antes de ser congelada, para que Anna saiba o que fazer. Porém, pouco depois de a mensagem chegar, Olaf, que estava com Anna, começa a desaparecer: ele foi feito pela magia de Elsa, e se sua magia está sumindo, Anna percebe que isso significa que a irmã morreu.


Assim, Anna chora as mortes de Olaf e Elsa e tem uma música de luto, bem triste, sobre continuar fazendo a coisa certa e dar um passo de cada vez. O que mostra bem a seriedade que esse filme queria ter. Mas então Anna percebe que precisa destruir a represa para salvar o pessoal preso na floresta – é complicado –, só que isso causaria a destruição de Arendelle, porque o reino está no caminho da água presa pela represa. E é por isso que, no começo do filme, os espíritos da natureza haviam tirado a população de lá, para que eles ficassem seguros.


E lembrando que a história havia acabado de revelar que o antigo rei de Arendelle, avô de Elsa e Anna, havia construído a represa para controlar e saquear o povo Northuldra, em uma relação bem colonial. E que desde o começo do filme o arco de Anna é sobre aceitar que tudo muda, além de um dos versos da música “Some Things Never Change” (“Algumas Coisas Nunca Mudam”) ser “eu prometo que a bandeira de Arendelle sempre vai voar”. Tudo isso obviamente preparando um final em que a Arendelle colonialista do avô das irmãs seja destruída simbolicamente através da destruição física das construções, o que também serviria para ensinar a Anna que todas as coisas mudam.

Então, Anna faz o que é preciso e destrói a represa, mesmo que isso signifique que seu reino será destruído e que eles precisarão construir outro, e tudo enquanto tenta aceitar as mortes de Elsa e Olaf. Porém, com isso, Elsa é descongelada do nada (por quê? Não fica claro), vai até o reino e segura a água logo antes de ela tocar em Arendelle, que fica intacta... E aí ela e Anna se reúnem, e Elsa reconstrói Olaf, do mesmo jeito de antes...


Desfazendo todos os três pontos altos emocionais do filme.


Eu sei que é um filme infantil e que eles não iriam deixar a Elsa simplesmente morrer. Mas logo depois da ressurreição dela, Elsa decide ficar na Floresta Encantada, porque agora ela descobriu que é o quinto espírito e precisa ajudar lá... (Ajudar o quê? Não fica claro.) Então por que não mantê-la “morta” e dizer que ela agora está na forma de espírito, literalmente o quinto espírito? Tem uma cena em que ela corre até Anna e as duas se abraçam, e eu tinha certeza de que ela a atravessaria porque agora era um espírito, mas no fim não. Sinceramente, algo assim teria funcionado muito melhor, até porque a decisão de Elsa de ficar na floresta não é muito desenvolvida. Ela ter se tornado um espírito deixaria essa escolha mais coerente.


Ao mesmo tempo, a morte de Olaf poderia ser mantida de um jeito leve, com Elsa construindo outro Olaf, mas que fosse outra pessoa, sem as memórias de antes (tipo o Groot em Guardians of the Galaxy).


E a destruição de Arendelle absolutamente tinha que acontecer, porque era só reconstruir o reino, não é como se alguém fosse morrer. A mudança simbolizaria o reino sendo reconstruído, agora de forma justa, acabando com os valores do avô de Anna e Elsa e mostrando a Anna que as coisas nunca permanecem as mesmas...


Essas três reversões dos momentos emocionais do filme representam muito bem a dualidade entre a história séria que prometeram e o filme infantil que precisavam fazer. E um filme infantil obviamente pode ser sério, mas, aqui, o casamento não funcionou, foi um meio termo que pegou elementos de um filme “adulto” e de um filme bobo e juntou os dois, sem se comprometer a nenhum dos dois completamente.

E ficou parecendo um sonho.


E, por mais que eu agora tenha gostado mais do filme do que na primeira vez em que assisti, ainda é triste que ele tenha tido um enredo tão vago, principalmente depois de ter visto o documentário – agora, tendo acesso ao que acontecia atrás das câmeras, foi possível ver a paixão da equipe por trás do projeto, o quanto todos ali queriam que o filme funcionasse, mas, infelizmente, não houve tempo o suficiente para juntar bem as duas propostas que tinham em mente.


E no fim, Frozen II acabou sendo mesmo um sonho: um que nunca saiu completamente do papel do jeito que podia ter sido. Os prazos, a confusão e o meio termo mal colocado afastaram o filme do que ele queria ser, e essa ideia acabou ficando apenas no sonho.

1 comentário


carlamariav
carlamariav
08 de mar. de 2022

Maravilhosa análise

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