Jacob, Emma e Noor
- Marcelo Pedrozo
- 4 de fev. de 2022
- 6 min de leitura
Atualizado: 7 de mai. de 2022
Análise dos romances de Jacob Portman com Emma Bloom e Noor Pradesh na série de livros Miss Peregrine's Home for Peculiar Children (2011-2021).

Eu já falei aqui sobre um problema que eu tenho com a segunda trilogia da série de livros Miss Peregrine’s Home for Peculiar Children: a insistência que ela tem de trazer de volta elementos da primeira trilogia em vez de aproveitar o que havia trazido de novo. No entanto, há um elemento específico da primeira trilogia que foi abandonado, e esse abandono é uma das maiores críticas dos fãs sobre essa trilogia. Eu falo do romance entre Emma e Jacob, parte essencial dos três primeiros livros, que termina no quarto em favor do romance de Jacob e da nova personagem Noor, que continua até o final da série.
Então, eu queria dar um breve histórico de ambos os romances, para tentar entender o que exatamente desagradou o público – e sim, é mais do que gente chata reclamando que “separaram meu casal”: é a maneira como isso foi feito. Mas os problemas, na verdade, começam já desde o primeiro livro, muito antes de Noor pensar em existir.
Em Miss Peregrine’s Home for Peculiar Children, o primeiro livro, Jacob descobre que seu avô morava no lar da Srta Peregrine para crianças peculiares, que está localizado atualmente em uma fenda temporal. Uma fenda temporal é um tipo de lugar em que os peculiares – pessoas com uma mutação genética que lhes dá poderes e habilidades – vivem, em que os dias se repetem e ninguém envelhece. Essas fendas servem como refúgio dos vários perigos externos, mas também como uma prisão: quando um peculiar sai da fenda onde vive, todo o tempo que ele roubou é dado de volta. Ou seja, se ele está na fenda há cinquenta anos, ao sair dela envelhecerá cinquenta anos de uma vez.
O avô de Jacob, Abe, deixou o lar da Srta Peregrine quando era adolescente, nos anos 40, para viver nos Estados Unidos, onde formou sua família. Ele deixou na fenda sua ex-namorada, Emma Bloom. Os dois continuaram se correspondendo por cartas, mas com o passar dos anos Abe passou a escrever cada vez menos, e seguiu em frente, casando-se com outra mulher. Emma, contudo, ainda era uma adolescente, que passou décadas sem conseguir esquecê-lo.

Após a morte de Abe, Jacob descobre toda a verdade e chega à fenda dos peculiares. Chegando lá, ele e Emma se aproximam, em uma dinâmica muito boa do primeiro livro. Jacob hesita por não querer namorar a ex do avô, mas os dois logo ficam juntos.
Vou dizer que desde o primeiro momento essa aproximação deles me pareceu estranha, não sei se gostei da ideia de o antigo amor de Abe e o par romântico de Jacob serem a mesma pessoa. Cada drama específico é interessante, mas juntar os dois era uma ideia que eu não entendia muito bem. E a ideia nem foi usada direito: após a hesitação inicial de Jacob, esse estranhamento mal é abordado, os dois simplesmente estão juntos e pronto, como se não fosse estranho ela ter namorado o avô dele; esse elefante na sala quase não é mencionado nos dois livros seguintes.
E, nesses dois livros seguintes, o relacionamento dos dois atinge outro nível. Enquanto no primeiro acompanhávamos apenas a aproximação deles, de maneira realista, no segundo e terceiro romances – que se passam imediatamente após o primeiro –, os dois já estão fazendo juras de amor eterno. Jacob, inclusive, deixa claro que decidiu ficar com os peculiares e ajudá-los na guerra apenas por causa de Emma.
E a paixão dela por Abe é praticamente esquecida.
E assim termina a primeira trilogia, com os dois juntos depois que encontram uma maneira de Emma deixar a fenda sem envelhecer.

No quarto livro, porém, o drama envolvendo Abe volta com força total. A Map of Days mostra Jacob e Emma reconhecendo que existe esse elefante na sala, e fazendo questionamentos quanto a isso. Vemos Jacob querendo seguir os passos de Abe, duvidando se Emma realmente o ama e se perguntando se ela só está com ele por causa do avô. Enfim, o livro aborda a questão de maneira bem interessante e desenvolvida, o conflito dos dois não é um mal entendido aleatório que poderia ser resolvido com um simples diálogo como acontece em várias histórias de romance: são só duas pessoas lutando contra um sentimento que não controlam. Até que eles terminam.
Em uma viagem ao passado, Emma liga para Abe em segredo – para a versão jovem de Abe que existia naquele passado – para se despedir, mas ele é grosso com ela. Quando Jacob descobre, os dois finalmente colocam esses sentimentos para fora, e por fim ele decide que serão apenas amigos a partir de então.
Aí, menos de uma semana depois, no começo do quinto livro, vemos Jacob apaixonado pela nova personagem Noor, de maneira ainda mais apressada que sua paixão por Emma... o que é ainda pior nesse caso, porque ele tinha acabado de terminar com ela.
Então, dá para entender o sentimento de quem não gostou dessa mudança: Jacob e Emma, na primeira trilogia, eram o relacionamento mais importante da série. Ela é quase tão importante quanto ele, e os dois, juntos, são os líderes dos peculiares naquela missão, é sempre os dois e nunca só Jacob. E eles ficam juntos no final do terceiro livro, que todo mundo achava que era o final da série como um todo.
Então, em uma nova trilogia, os dois terminam o namoro (mesmo que de maneira bem desenvolvida) e dias depois o Jacob já está apaixonado por outra? Fica difícil comprar isso, e nos faz até duvidar do sentimento dele por Emma, que era a base dos primeiros livros.

Fora que, como eu falei, Emma era muito importante na primeira trilogia, e aí na segunda ela acaba virando uma secundária qualquer depois do término. Emma era como uma mãe para seus amigos peculiares, se preocupava com todo mundo, precisava sempre controlar seus sentimentos para não explodir com quem fazia mal a alguém, tinha uma empatia enorme, usava essa raiva com injustiça para focar e trabalhar bem em sua missão, andava estudando fotografia nos últimos tempos... ela era uma personagem com uma caracterização complexa e boa, mas no quinto livro, The Conference of the Birds, ela tem dois papéis: o primeiro é ser parte do cenário e o segundo é ser uma máquina de ciúmes de Jacob e Noor. E é só pra isso que ela serve.
Não que não faça sentido ela ter ciúme, afinal ela e o Jacob terminaram faz uma semana e ele já está apaixonado por outra, mas ela literalmente não faz outra coisa além disso. Ela que era co-protagonista e fazia tanta coisa antes, agora virou uma terciária com um papel só.
Emma e Jacob até tem uma ou outra conversa boa nos últimos dois livros, falando sobre sua amizade pós-namoro e o relacionamento dele com Noor, mas é só nessas cenas que eu gosto do que fazem com a personagem dela.
Fora que, mesmo que Emma tivesse sido melhor trabalhada, o romance de Jacob e Noor não é lá aquelas coisas. Para falar a verdade, eu só fui perceber que os dois se tornariam um casal quando Emma começou a ter ciúmes deles, então dá para imaginar que a dinâmica dos dois não foi das melhores... e precisava ser, porque para que comprássemos um novo romance que substituiria o de Emma e Jacob, tão importante nos livros anteriores, precisávamos de um desenvolvimento muito acima da média, mas não foi o que aconteceu.

Tem uma parte no quinto livro em que Jacob, que narra a história, está pensando sobre sua relação com Noor, descrevendo a atração que sente por ela, e reflete: “Na verdade, sendo sincero, aquilo era algo que eu nunca tinha sentido com Emma. O que tivemos era casto, quase vitoriano. O que eu sentia por Noor era diferente. Mais químico, visceral. Mas havia carinho também.”
Uma reflexão que faz sentido se ignorarmos as milhares de vezes em que Jacob sentiu atração física por Emma, desde a tensão durante sua aproximação no primeiro livro, até sua literal vontade de vê-la de calcinha no terceiro, além de sua conversa na praia que deixava claro que eles não planejavam esperar muito para dormirem juntos.
Enquanto isso, o máximo que vimos de Jacob atraído por Noor foi encará-la um pouco e pensar como ela era “linda”. Por isso esse trecho que eu citei parece tão estranho, e a caracterização do novo romance no geral parece fraca, porque é baseada em algo que não está ali. O livro simplesmente conta sobre a atração dos dois, em vez de mostrá-la. Então é difícil mesmo gostar dos dois juntos.
E não me entendam errado, eu acho interessante a troca de interesses amorosos, foge do clichê e tudo mais, mas precisava ter um fio condutor melhor trabalhado. E, principalmente, precisava ter uma construção superior à de Jacob e Emma – que até tinha seus problemas, mas tudo nos livros anteriores só nos fazia acreditar como eles se amavam tanto, até o término dos dois é ótimo, enquanto que com Jacob e Noor, não vemos nada disso, o livro apenas nos conta como eles se gostam sem entendermos direito o porquê. Além de que essa troca deixou Emma com pouquíssimo para fazer no final da série, o que é triste para alguém que já foi co-protagonista.
Então, o problema não é a proposta, mas sim a execução dela, que não foi das melhores. A de Jacob e Emma também não foi, mas no caso de Jacob e Noor não precisávamos simplesmente comprar um romance qualquer, mas sim comprar um romance que substituía outro que havíamos acompanhado por quatro livros. Então era necessária uma construção ainda mais grandiosa... e infelizmente não foi o que aconteceu.
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