Teorias, expectativas e a relação de uma obra com seus fãs
- Marcelo Pedrozo
- 9 de abr. de 2021
- 11 min de leitura
Uma análise da criação de expectativas em relação a uma obra de ficção por parte de certos fãs, usando como ponto de partida a série WandaVision (2021).

Uma das razões pelas quais eu fico feliz que WandaVision tenha sido lançada semanalmente é que, por causa disso, foram oito semanas de discussões. Discussões essas que foram feitas sobre cada episódio e não só sobre o último, como aconteceria se a série tivesse sido lançada no modelo Netflix. (Alguém se lembra o que aconteceu no segundo episódio da temporada de Stranger Things ou La Casa de Papel? Não, todo mundo só fala do que acontece no final, óbvio. Mas no modelo semanal dá pra comentar a série toda, semana por semana.)
Mas com WandaVision especificamente eu fico feliz que isso tenha acontecido porque a recepção ao final não foi das melhores. Digo, acho que estava longe de ser ruim. Mas acontece que o final da série não foi exatamente o que muitos fãs estavam esperando, o que causou grande decepção para muita gente. Isso porque foram feitas várias teorias para a série, uma mais maluca que a outra (e várias razoáveis, claro, mas muitas foram meio doidas), e quando elas não se concretizaram, muitas pessoas se decepcionaram. Sem querer generalizar, claro, porque essa não foi a única crítica ao final.
Então fico feliz que pudemos ter sete semanas de discussões razoáveis antes de começarem a reclamar que não teve Mephisto e Magneto e Reed Richards.
(E, tá... o final da série provavelmente não teria sido tão mal recebido se a série fosse lançada completa, porque não teria tempo para fazer tantas teorias, então meu argumento inicial não faz muito sentido. Mas quem liga, lançamento semanal ainda é melhor.)
E, bom, é preciso comentar que algumas dessas decepções com as teorias foram provocadas pela própria série em si, afinal foi ela que trouxe o Evan Peters como Quicksilver, por exemplo. Para quem não sabe, o ator interpretou uma versão do personagem nos filmes dos X-Men, da Fox, enquanto que no Marvel Cinematic Universe ele era uma versão diferente, interpretada por outro ator, tendo morrido em Avengers: Age of Ultron. Com a aparição de Evan Peters, o ator dos X-Men, supostamente como o Quicksilver do MCU, muitos especularam, naturalmente, que isso havia acontecido por causa de alguma quebra no multiverso que trouxe o personagem de um universo para o outro. Mas no final não, ele era uma pessoa comum de Westview enfeitiçada pela Agatha Harkness e o fato de ele ser o mesmo ator era uma piada da série com os fãs.

No fim, ele era só o Ralph Bohner.
E aliás, eu gostei da explicação que foi dada pela equipe da série sobre a aparição do Evan Peters, de que ela serviu para causar no público o mesmo que causava na Wanda: confusão. Para a personagem, porque seu irmão devia estar morto e com outro rosto, e para o público, porque já tinha visto o ator interpretando outra versão do personagem; assim como Wanda, o público iria querer acreditar que aquilo era verdade, mesmo sabendo ser improvável. Mas óbvio que faz sentido que muitos tenham se sentido decepcionados quando Evan Peters era apenas Ralph Bohner, e acho isso uma crítica válida ao final da série, mesmo eu particularmente discordando.
Então o texto não é bem sobre isso, porque nesse caso, mesmo entendendo a explicação que eles deram e no fim gostando dessa escolha, eu também entendo quem se decepcionou.
Mas não foi só a situação do Evan Peters como Pietro que foi alvo de críticas no final. Houve outras teorias que a série não concretizou, e isso deixou fãs chateados. Algumas foram fruto de pistas falsas deixadas pela série; outras, fruto de notícias clickbait que distorceram falas dos atores (como a tal “aparição nível Luke Skywalker”); e por fim, algumas foram fruto de pura especulação dos fãs.
Vamos falar do primeiro caso, e vou usar a personagem Dottie como exemplo porque ela se encaixa perfeitamente. Interpretada por uma atriz escolhida justamente por papéis anteriores que sugeririam um papel místico importante, ela foi colocada exatamente para ser uma pista falsa, como a própria atriz, Emma Caulfield, revelou.
A personagem apareceu no segundo episódio da série, sendo uma antagonista de Wanda em sua jornada para aceitação em Westview. Depois, fez aparições de um segundo nos episódios 3 e 7, e aí só voltou no último episódio para mostrar que ela era, afinal, só uma vítima do feitiço da Wanda e mais ninguém.

Então óbvio, ela era uma pista falsa, colocada ali de propósito, e assistindo o segundo episódio você fica desconfiado da personagem. Falas como “suas rosas crescem sob pena de morte” e “Dottie é a chave para tudo nesta cidade”, que foram ditas dentro de um contexto mas que soam como se significassem mais, foram colocadas ali para que teorias surgissem em relação à personagem. Mas no fim do dia, a série não prometeu que essas teorias seriam verdadeiras. Usar pistas falsas é um recurso comum em uma história com um mistério, e aqui Dottie foi usada como um recurso para esconder que a verdadeira vilã era Agnes. Então não acho a reclamação sobre Dottie justa, porque a série nunca prometeu nada sobre ela, só a colocou na lista de suspeitos.
E a série também nunca prometeu uma aparição “nível Luke Skywalker”, o jornalista que escreveu a matéria que fez isso. E obviamente, ninguém nunca prometeu uma aparição, sei lá, do Magneto ou do Quarteto Fantástico. Isso eram só teorias, e que bom que você fez teorias, mas não dá pra culpar a série por elas não se tornarem realidade, ainda mais quando são tão improváveis assim.
(Bom, e teve também o Paul Bettany que prometeu a aparição de um ator com quem ele nunca tinha contracenado antes e com quem ele tinha uma “química incrível”... e que no fim era ele mesmo, como o Visão do Hex e o Visão Branco. Então aqui teve essa promessa sim, mas eu não ligo porque achei a piada genial, desculpa.)
Enfim, é sobre isso que é esse texto. Sobre as expectativas geradas por fãs, que assistem ou leem uma parte da história e assumem que tal elemento vai levar a tal final, e que quando isso não acontece, ficam decepcionados. É um fenômeno interessante, porque na verdade ele se mistura com um sentimento válido, relacionado ao conceito de set up e pay off, termos em inglês que na ficção seriam algo como “plantar e colher”. Ou seja, no começo da história, você planta certos elementos, para depois colher, para eles levarem a algum lugar.
Vou usar um exemplo também da Marvel para aproveitar o assunto. No começo de Captain America: The Winter Soldier, temos cenas de flertes entre Natasha e Steve, que partem de Natasha, já que Steve, ainda demorando a se adaptar ao mundo atual, sempre se esquiva de qualquer interesse romântico.

Mas por mais que existam esses flertes, os dois não confiam um no outro, Steve é o símbolo da moral e Natasha é uma espiã assassina. Só que então os dois são obrigados a fugir da S.H.I.E.L.D. juntos, ao descobrirem uma possível infiltração na agência, e nisso continuam esses flertes durante a missão.
E daqui surgem os shippers (quem torce para um casal ficar junto). Que têm tudo a ver com o tema do texto, porque criam expectativas sobre um casal e acabam reclamando se ele não termina junto no final. Mas faz sentido que tenham surgido shippers de Steve e Natasha, existe um set up que precisa de pay off, um arco aberto que precisa ser concluído, sobre a relação e os flertes desses dois personagens. Então óbvio que vão começar a shippar, porque imaginam que a conclusão do arco vai ser essa, vai ser os dois personagens começando um relacionamento.
Mas... não foi. O pay off desses flertes vem depois que Steve e Natasha são forçados a se beijar durante uma perseguição, para distrair os agentes da S.H.I.E.L.D. e passarem despercebidos. A caminho de sua próxima parada, eles conversam sobre o beijo, e acabam refletindo sobre a vida também. Natasha fala sobre como ela não é a mesma para cada pessoa, se referindo a seu trabalho como espiã. Steve, que está começando a confiar nela, diz que é difícil confiar em alguém quando não se sabe quem essa pessoa é. E aí Natasha pergunta: “Quem você quer que eu seja?”. E Steve responde: “Que tal uma amiga?”.
E depois da cena-de-ação-obrigatória, reagindo ao que acabaram de descobrir sobre a infiltração na S.H.I.E.LD., os dois têm outra conversa, em que de novo se abrem um para o outro, Natasha finalmente sendo sincera com alguém. E depois ela para de tentar flertar com ele. A conclusão do arco não é os dois ficando juntos, é Natasha finalmente conseguindo formar uma relação honesta com outra pessoa, e é uma relação de amizade, não de romance. Porque o quesito romântico e sexual para ela é o símbolo maior de seu trabalho como espiã, é com ele que ela engana as pessoas que interroga e, no passado, matava. Mas com Steve ela forma uma amizade verdadeira, o que mostra sua evolução.
E no final do filme inclusive é Natasha quem dá a deixa (o set up!) para que o próximo capítulo aproxime romanticamente Steve de Sharon Carter, outra personagem que aparece aqui. (No fim ele também não fica com ela, e sim com a tia dela, mas isso é outra história.) Então sim, existe um set up de um enredo relacionado à relação de Steve e Natasha, que abre as portas para um romance. Mas o pay off não é um romance, muito pelo contrário, é os dois selando uma amizade, que inclusive é incrível, eu sou fã demais das interações dos dois.

Mas aí os shippers do casal reclamam que não houve um fechamento para aquela trama. Só que houve, sim, o fechamento só não era o que eles queriam, e isso é uma distinção importante de se fazer.
(E aqui eu sinto que preciso falar, shippem quem vocês quiserem. Eu não disse que quem shippa os dois está errado, torçam pro casal que vocês quiserem. O problema aqui é outro.)
A questão é que é comum demais que fãs de casal criem expectativas e achem que a única solução para a história é seu casal ficar junto, como alguns fãs de Steve e Natasha acham. E óbvio, essa era uma possibilidade, mas não é a única, e ficar dizendo que a história ficou inacabada só porque os dois não ficaram juntos não faz sentido, porque houve sim um fechamento, só não foi a junção deles como casal.
E não tem problema.
Só que isso acontece demais, em toda obra em que fica claro que dois personagens podem acabar juntos, os fãs transformam esse “podem” em “devem”, e se isso não acontece, ficam bravos. Dá pra citar muitos exemplos aqui.
Cascão e Magali é um deles. Este ano saiu Recordações, uma história da Turma da Mônica Jovem que narra um futuro em que Cascão e Cascuda estão casados, e o que não faltou foi gente revoltada porque o Cascão não se casou com a Magali. E claro, se você não gostou, tudo bem, goste do casal que você quiser. Mas muitos agiram como se a revista tivesse “prometido” que eles ficariam juntos, sendo que isso não aconteceu. Houve um arco há alguns anos em que aconteceu um quase-romance entre os dois, e esse arco poderia ter acabado com os dois ficando juntos – mas o arco nunca prometeu isso, apesar de colocar essa possibilidade, e no fim Cascão e Cascuda continuaram juntos. Mas muitos agiram como se a revista estivesse “errada” por não juntar Cascão e Magali, só que não estava.

E enquanto estamos no assunto de Turma da Mônica, aconteceu a mesma coisa com Xaveco e Denise; as mesmas reclamações aconteceram quando ela começou a namorar o Jeremias. Saiu gente de todos os cantos pra falar que “estavam desenvolvendo Denise e Xaveco como casal”, e realmente existiu uma possibilidade nas sagas Umbra e Sombras do Futuro, mas o final dessa última é justamente a Denise aliviada ao perceber que não está destinada a ficar com o Xaveco, já que ama outra pessoa. Ou seja, não teve promessa de que eles ficariam juntos, muito pelo contrário inclusive. Poderiam ter ficado? Sim, mas não era a única opção. (Fora que ela e o Jeremias são um casal ótimo.)
Sabe onde tem muito isso também? Novelas! Novela é cheia disso, porque afinal várias novelas se baseiam em triângulos amorosos e na dúvida de com quem o/a protagonista vai ficar no final. Pessoalmente eu não sou muito fã desse tipo de coisa, de a única coisa que importa na história ser quem vai ficar com quem, mas enfim, é uma característica importante do gênero. De qualquer maneira, quando a novela acaba e o casal A fica junto, os fãs do casal B ficam revoltados, e ok, normal ficar triste porque seu casal não ficou junto. Mas muitos não ficam só tristes, ficam indignados como se fosse uma traição, porque a novela “havia prometido que o casal B ficaria junto!” e “a história deles era muito melhor!”, e ainda, “o público preferia o casal B, como o autor pôde juntar o casal A???”, que é toda uma outra conversa mas que me indigna muito. Porque a opinião do público não deve ser o critério do autor pra qual casal fica junto, mas enfim, em algumas novelas é assim.
De qualquer maneira, isso me irrita, porque é o público criando expectativas e se revoltando quando a história não as segue, sendo que a história nunca prometeu que tal enredo iria na direção que você queria, ela no máximo mostrou que essa era uma das possibilidades.
De novo, acho importante ressaltar algumas coisas. Eu não tenho o direito de reclamar de você não ter gostado do rumo que tal enredo levou. Eu mesmo não gosto de como várias histórias acabaram, porque afinal havia jeitos muito melhores de concluir tal coisa, eu não gosto que tenha sido daquele na história X. Acho que era melhor que o protagonista tivesse feito isso, que tal casal tivesse ficado junto, que tal formato não tivesse sido abandonado etc.
Isso é válido; é analisar criticamente, é ter opiniões sobre o que você lê e assiste.
Outra coisa muito diferente é você xingar simplesmente porque não foi na direção que você queria, e agir como se tivesse sido “errado” por isso.

Basicamente, é a diferença entre “que pena, não teve mutantes como eu queria, seria uma oportunidade boa e a série perdeu” e “como assim a série não introduziu os mutantes, que série péssima, eu não ligo que ela nunca prometeu introduzir os mutantes e que era sobre a Wanda, eles deviam ter feito isso”.
É a diferença entre “deviam ter feito Steve e Natasha ficarem juntos, seria muito melhor e faria mais sentido” e “óbvio que a história tava levando a esse lugar, e agora os diretores querem dizer que não tava? O público todo prefere eles juntos e agora quem forçar a aceitar eles separados...”
Dá pra notar a diferença, né?
A questão é que, como fãs, nós nos engajamos com as histórias e nos importamos muito com o rumo que elas tomam. Normal, óbvio. Ficção é uma parte enorme da minha vida, e as obras que eu gosto são extremamente importantes pra mim, então eu também fico chateado quando uma delas toma um rumo que pra mim não faz sentido, e que seria muito melhor de outra maneira. Metade dos textos que eu vou fazer aqui provavelmente vai ser sobre isso.
Mas esse engajamento não nos torna os autores da obra. E aí tem todo um debate envolvendo o conceito de morte do autor e tudo o mais, mas não quero entrar nisso. Mas muitos fãs, por seu amor à obra, acham que sabem mais do que os autores (e, bem, às vezes podem até saber), e com isso se acham no direito de exigir que ela tome tal rumo, quando... bem, quando não é nosso lugar exigir isso. Como eu falei, não quero entrar no debate de morte do autor (que, aliás, é interessante, pesquisem sobre, mas não é sobre isso que eu tô falando aqui).

A questão é, o autor não tem o dever de simplesmente dar pra você exatamente o final que você quer, só porque na sua interpretação esse seria o melhor final. Até porque existem vários fãs, cada um com a sua interpretação, não dá pra agradar todo mundo. No fim do dia, quem está escrevendo o final da história é o autor e ele não tem que se curvar à sua interpretação, e sim à dele. Critique, ache errado, xingue na internet, faça uma fanfic melhorada, finja na sua cabeça que o final foi outro, mas aquela decisão era dele, e não sua. Pode ter sido péssima, mas era dele.
E se tem uma coisa que eu odeio especificamente nisso tudo é “90% do público preferia que fosse assim, então devia ser”. Sendo que... não? Quem criou a história foi o autor, ele não tem que mudar para agradar o público só porque a “maioria” (que geralmente nem é a maioria de verdade) prefere de um jeito... Se ele está escrevendo a história com a intenção de acabar de certa maneira, deixa ele acabar como quer, ué.
Você está livre para xingar e para substituir o final na sua cabeça, para escrever uma fanfic melhor, porque afinal a história sai do autor de um jeito e chega em você de outro, você vai interpretá-la do jeito que quiser, e o que você vai fazer com a história depois é problema seu, não do autor. Mas xingar a obra porque ela não seguiu exatamente o que você queria, sendo que ela nunca prometeu dar o que você queria (e como estabelecemos, prometer que algo vai acontecer é diferente de prometer que o que você quer vai acontecer)... isso não faz sentido.
Critique porque o final foi ruim, porque não fez sentido, porque ficou péssimo, porque de outro jeito seria melhor. Mas não xingue o autor porque ele não fez “do jeito que você queria”.
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